Gildete Melo e a urgência pela preservação cultural
Gildete Melo preservando o legado ancestral |
Em
cada encontro setorial sobre cultura, lá estava ela: Gildete Melo, com sua
postura firme, olhar atento e uma presença que não passava despercebida. Sempre
admirei a sua luta pela preservação das tradições afro-ipitanguense, e o modo
como representava suas raízes com suas roupas vibrantes e turbantes que
carregam uma simbologia tão forte quanto as suas palavras.
Tive o privilégio de conhecê-la mais de perto quando fomos convidados para contribuir em uma obra literária coletiva, organizada pelos professores Tássio Revelat e Gildásio Freitas, intitulada "De Ipitanga a Lauro de Freitas". Foi ali que conheci mais do trabalho impressionante de Gildete, especialmente com o capítulo "Memórias de Areia Branca", onde sua narrativa nos transporta para um passado rico e cheio de ensinamentos, recriando, através de suas pesquisas, a história de uma comunidade que resiste.
Sua
escrita é um passeio para outro tempo, e ao lê-la senti como se estivesse a
caminhar pelas ruas de uma Areia Branca de outros tempos, ouvindo as vozes dos
antigos moradores e partilhando dos mesmos sentimentos que ela se propôs a
preservar. Gildete não apenas registra a história; ela vive, sente e nos
convida a valorizá-la.
Essa
dedicação lembra as palavras de Mia Couto: “A memória é a única eternidade que
o homem pode experimentar.” É nisso que Gildete acredita e que eu,
sinceramente, admiro: a memória é viva e deve ser cultivada para que não nos
esqueçamos de quem somos.
Assim,
esta entrevista é um tributo à trajetória de uma mulher incansável que, com o
coração e a alma, tem sido guardiã das memórias de Lauro. Que as palavras de
Gildete inspirem as novas gerações a conhecer, respeitar e salvaguardar a sua
própria história, mantendo a chama da cultura e das tradições sempre acesa.
Gildete Melo, pesquisadora, produtora cultural,
educadora quilombola e artista, nos conta a história e do seu trabalho para
manter viva a cultura de nossa cidade.
A história das Beijuzeiras começou em 2009, bem
ali, no quintal de casa. Estávamos ao som das cantorias da minha mãe, proseando
enquanto ela fazia vassouras de palha sob o pé de pitanga. Nesse ambiente de
troca e acolhimento, comecei a ouvir as histórias das mulheres da comunidade.
Com um caderninho na mão, registrei as memórias e saberes de mestras como Dona
Detinha, Dona Melandia, Dona Zizi, Dona Mauricia (em memória) e Dona Nenzinha
(em memória).
Essas mulheres trouxeram à tona uma sabedoria viva,
algo que vai além das palavras. São testemunhos de vida e de cultura,
celebrados e vividos em cada receita de beiju, em cada conversa e na união
comunitária.
Jornada para valorizar as raízes...
Como educadora quilombola, acredito profundamente que a educação deve nascer do chão onde pisamos. Para mim, é uma missão de vida trazer visibilidade para a nossa história ancestral, que tantas vezes é ignorada pelos currículos formais.
Em 2008, levei meus alunos para ouvirem
minha mãe e sua sabedoria; foi o início de tudo. Hoje, com 15 anos de dedicação
a essa causa, tenho orgulho de contar as histórias da nossa comunidade, como as
que Dona Nenzinha, neta de uma mulher que foi escravizada no Engenho do Caji,
compartilha. Ela representa a resistência da nossa memória, e sinto que é um
privilégio carregar e dar voz a esse legado.
Dona Detinha cantando uma das suas composições |
Paixão pela ancestralidade...
Sempre fui muito curiosa, ou como minha mãe dizia,
"estuciava demais"! Acho que essa curiosidade foi o que me
levou a buscar, a ouvir e a registrar nossas histórias. Aos poucos, fui
juntando os relatos e costurando essa rica tapeçaria que é a cultura de Areia
Branca. Cada memória é um fio, e cada fio, uma história que compõe nossa
identidade.
Barracão e o projeto da Aldeia...
Ah, o Barracão é um sonho realizado! Ele nasceu como um ponto de encontro cultural, onde celebramos diariamente nossa identidade. Saímos debaixo do abacateiro e, com o prêmio Paulo Gustavo, conquistado pela prefeitura, conseguimos um espaço próprio.
Já a Aldeia é um
espaço laico, aberto e acolhedor, onde a nossa cultura se mantém viva. Lá,
saberes ancestrais circulam livremente e a história, que tantas vezes foi
apagada, renasce a cada dia. É um lugar que conecta gerações, onde as crianças
podem aprender e vivenciar o que nossos antepassados deixaram para nós.
Atividades...
No momento, temos o projeto "Memória Brincante", onde ensinamos técnicas ancestrais para as crianças, é uma forma de mostrar que nossas tradições também são para brincar e celebrar! Em breve, lançaremos a segunda edição.
Em novembro, vamos iniciar o "Reisado
de Areia Branca", resgatando essa tradição tão especial. Também abrimos o
Barracão para ensaios das Beijuzeiras, onde todos da comunidade podem conhecer
de perto nossa história e nossos saberes e o nosso samba de roda.
As mestras...
Dona Detinha é o nosso elo com o passado e uma
fonte de sabedoria inestimável. Mesmo com algumas limitações físicas, ela se
mantém ativa, compondo e cantando, sempre a ensinar as novas gerações. Aos 96
anos, Dona Nenzinha ainda nos inspira com suas histórias do Engenho do Caji,
trazendo à tona as vivências e memórias de nossos antepassados. É através de
mulheres como elas que nossa cultura permanece forte e viva.
Recado para todos...
Eu agradeço, Márcio, a você e a todos que, como
nós, acreditam na força da ancestralidade. Convido toda a população de Lauro de
Freitas a visitar o Barracão, ouvir as histórias das nossas mestras e aprender
com nossos mestres, como Salvador e seu vasto saber sobre as folhas. A todos,
deixo o convite: venham conhecer a nossa história, porque ela é o alicerce da
nossa identidade, não só de Areia Branca, mas de toda a Lauro de Freitas.
A força inspiradora...
Ao
concluir esta conversa tão rica, resta-me um profundo sentimento de gratidão
por tudo o que Gildete Melo tem feito pela cultura e memória da nossa
comunidade. Com dedicação, ela ergueu projetos essenciais como o Barracão e a
Aldeia, espaços que que se tornaram verdadeiros refúgios de conhecimento e
ancestralidade. Através das iniciativas que cria para conectar gerações,
Gildete preserva e fortalece as raízes de Areia Branca e de toda Lauro de
Freitas, mantendo vivo o legado daqueles que vieram antes de nós.
Sua luta é muito mais do que um trabalho; é uma inspiração para toda nossa cidade. Gildete mostra que a cultura é uma força viva, capaz de transformar e unir. É impossível não se sentir tocado pela paixão e pela garra que ela dedica a cada projeto, a cada história contada, a cada memória resgatada.
Agradeço
profundamente por ela ser esta guardiã incansável das nossas tradições e pela
sua presença essencial para que a cultura de Lauro de Freitas prospere e seja
lembrada. Que a sua luta nos inspire e continue a iluminar o caminho das
futuras gerações.
Vídeos curtos da minha visita
Márcio Wesley
Marcio é Gildete, duas personalidades a quem a memória da construção cultural, só tem a reverenciar!!
ResponderExcluirBela Reportagem de Resgate Cultural. É maravilhoso ouvir e ver tanta ancestralidade , parabéns Gildete por manter a história viva pulsando.
ResponderExcluirFlora Lee