Luta de lobisomens em Santo Amaro de Ipitanga

    Batalha entre Rajado e Marrom
  deixou a comunidade apavorada 

Em tempos remotos, no coração de Lauro de Freitas, outrora chamada Santo Amaro de Ipitanga, desenrolou uma instigante história, interligada a memória e ao folclore local. A comunidade adormecia protegida sob a lua cheia. Nas ruas de caminhos de terra reinavam os cantos dos grilos e as lanternas dos vaga-lumes. As residências santuários de simplicidade, erguidas de taipa, vivam famílias ligadas por laços permanentes.  

 

A ausência de luz elétrica e água encanada não ofuscava o brilho dos candeeiros e a frescura da água das cisternas, símbolos da resiliência dos moradores de Santo Amaro de Ipitanga. Nestas terras, onde a agricultura familiar e a pescaria nos rios Ipitanga e Joanes sustentavam corações e corpos, a natureza verde e exuberante da região do Caji, dava o tom inalterável da flora e fauna que reservava muitos mistérios. As dunas de areia branca delineavam o caminho para a praia de Ipitanga, cenário magnifico e de incontáveis lendas. Era uma época onde o sobrenatural dançava com o real e criaturas das sombras como a mula sem cabeça, caiporas e lobisomens sussurravam segredos nas noites enluaradas. 

 

A pequena comunidade suspeitava, com um misto de temor e fascínio, das identidades ocultas dos lobisomens que vagavam entre eles. Numa noite fatídica de dezembro, início da década de 1940, sob a luz prateada da lua cheia, o destino teceu um encontro inesperado. 

 

Das profundezas do campo e da mata, onde hoje se erguem as escolas Américo Simas e Ana Lúcia, dois lobisomens, o temido Rajado, espírito familiar das noites de lua cheia, velho conhecido do povo ipitanguense e o enigmático Marrom, vindo das terras de Itapuã se encontraram. O choque entre esses dois titãs da noite desencadeou um espetáculo de fúria e força primal. 

Uivos cortaram o silêncio da agradável noite, cercas estalaram sob a pressão dos corpos em batalha e o ar vibrava com o som de garras e dentes. Animais, tomados pelo pânico, romperam suas amarras, fugindo desenfreadamente dos quintais. Aquela luta breve, mas intensa, deixou suas cicatrizes no coração de quem estava assustado,  rezando ou observando pelas frestas das janelas o rastro de marcas de garras cravadas em paredes e galhos de árvores deixados para trás. 

 

No auge desse embate épico, o lobisomem Marrom, derrotado, fugiu para as sombras, enquanto Rajado, vitorioso mas exausto, ergueu-se triunfante com os olhos fixos na lua, uivando um hino estridente e com um salto ágil, desapareceu em direção à Praia de Ipitanga, deixando um legado de mistério, terror e admiração que ecoaria através dos tempos, mantendo viva a chama das raízes culturais de Lauro de Freitas.

 

Histórias como essa, constroem o manto do folclore das terras de Ipitanga. Cada lenda de um conto sobrenatural é uma janela para o passado, um espelho refletindo as crenças e os valores de um tempo. Na trama desses relatos, não apenas entretemos, mas também preservamos e honramos a memória.   

 

Não é minha obrigação dedicar tempo de pesquisa, rememorar antigas histórias e reescrever a memória folclórica através de contos baseados no que me contaram e contam até hoje. Como filho desta terra, amo fazer isto, talvez seja uma missão passar essas narrativas adiante, na tentativa de enriquecer as mentes e os corações das futuras gerações. Ao fazer isto, acredito que mantemos viva a chama de uma identidade coletiva, assegurando que as vozes do passado continuem a ecoar, eternas e vívidas nos corredores do tempo e na literatura autoral, embasada em nossa ancestralidade.

 

Autor:

"Luta de lobisomens em Santo Amaro de Ipitanga"

 Márcio Wesley 

Jornalista | MBA em Comunicação e Semiótica | Licenciatura em Artes Visuais.