MEMÓRIAS DO CAPELÃO INSPIRADA NOS SEUS MORADORES
Capela, capelinha uma canção
É das Marias, Anas, Antônios e Joãos
É de mato, é de roça, jaqueira, manjericão
Entre famílias, amigos, vizinhos, uma multidão
Nascido na Freguesia do Santo Amaro do Ipitanga
Mudou de Fazenda Gregorino para bairro Capelão
A brincadeira das palavras que
ousam ser poéticas, conta um pouco e acrescenta pontos sobre essas terras. Sua
história guarda uma narrativa singela, mas cheia da força de sua população.
Ainda bem que continua preenchida de árvores, matas preservando as raízes,
frutas e plantas medicinais, como Planta Santa, Aroeira, Boldo, Aranto e outras
tantas ervas de cura, mas seu maior segredo está em seu apelido, que de tanto
uso virou seu nome oficial, passando de Fazenda Gregorino para um lugar chamado
Capelão.
Contar essa narrativa a partir
das lembranças dos sujeitos que neste lugar existem e resistem é construir uma
síntese das experiências cotidianas dos anônimos da história. As lembranças se elaboram na memória coletiva
e foi a partir dela que rememoramos narrativas tão relevantes sobre os grupos
populares (HALBWACHS, 1990).
O Capelão é um dos bairros do município de Lauro de Freitas situado em região de relevo de maior altitude, é
uma das regiões mais distantes do centro da cidade e das lindas praias,
entretanto, por conta das suas características geográficas, em uma dada
localização, é possível ver o Oceano Atlântico. Os moradores deste local
preservam entre suas práticas e experiências aproximações com as vivências
próprias de áreas rurais.
Uma característica muito representativa desta região, pois a vegetação formada por grandes árvores frutíferas e plantas medicinais compõe os quintais das residências e ainda contém grandes extensões de terras preservadas.
Sua população é formada por grandes famílias que são, em sua maioria, moradores antigos e, como eles mesmos citam, são “nascidos e criados aqui” mulheres, homens, meninas e meninos, negras e negros que residem em casas simples.
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Desenho ilustrativo |
As memórias aqui registradas foram construídas a partir do projeto escolar intitulado Memórias do Capelão, que contou com os relatos dos moradores que frequentaram uma das turmas de alfabetização da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no ano de 2018, na Escola Municipal Tenente Gustavo dos Santos.
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Escola Municipal Tenente Gustavo dos Santos |
Foi produzido durante o desenvolvimento do projeto diversos conhecimentos sobre as memórias do bairro, mas entre os conteúdos, os que mais mobilizaram os saberes dos discentes, foram as narrativas sobre a história de Dona Delina, uma artesã que fabricava vassoura, colher de pau, e, ainda, corante e a do nome do Capelão.
A vassoura...
Das
lembranças dos estudantes e de alguns funcionários da escola, ambos moradores
do bairro, rememoraram a relevância de Dona Delina, uma vassoureira do Capelão,
que foi descoberta ao entrevistar sua única filha, Dona Luzia, que também é vassoureira, fazia colher de pau, corante e, ainda, mariscava e pescava. Inclusive,
tais rememorações possibilitaram registrar a história de uma mulher comum e
extremamente relevante para a comunidade local.
A quantidade de pessoas presentes para participar da missa foi tão grande, que extrapolou os limites da capela, surpreso, o Padre ao ver a multidão gritou - “Eita! Capelão grande” e deste dia em diante, a Fazenda Gregorino passou a ser apelidada pelo nome Capelão...
O nome Capelão
Alguns
aspectos da memória coletiva elucidaram uma história, não conhecida, que
conforma as experiências de um lugar e das pessoas que nele fazem moradia, que
muitas vezes, são um pouco esquecidas.
Memória
coletiva aqui usada para pensar especificamente suas contribuições
com a construção de identidade coletiva faz compreendemos que o nome Capelão é uma marca identitária construída entre as práticas cotidianas dos seus
moradores (LE GOFF, 1990).
Embora algumas contradições,
limites e distanciamentos ocorreram, ao rememorarmos como a denominação foi se
consolidando, algumas informações constaram em todos relatos e, devido a
reincidência, pudemos elaborar algumas conclusões a respeito do porquê do nome Capelão.
Pesquisa...
A denominação Capelão surge, pela
primeira vez, na comunidade quando o Padre Capelão foi celebrar uma missa em um
momento festivo. Havia uma pequena capela construída pelos moradores,
entretanto, neste dia a quantidade de pessoas presentes para participar da
missa foi tão grande, que extrapolou os limites da capela, surpreso, o Padre ao
ver a multidão gritou “Eita! Capelão grande” e deste dia em diante, quase meio
século atrás, a Fazenda Gregorino passou a ser apelidada pelo nome Capelão. Só
anos depois foi oficialmente reconhecido.
Nas narrativas dos moradores foi
difícil precisar qual grande festa ocorreu neste dia. Alguns disseram que havia
sido um batizado, outros um casamento, falaram também que foi a festa de uma
Santa e ainda tiveram aqueles que disseram que realmente não lembravam qual
festa tinha ocorrido.
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Desenho ilustrativo |
Mesmo não conseguindo precisar
qual festa aconteceu no dia que demarca o surgimento do nome do bairro, todos
se referiram a existência de uma grande festa e todos recordaram a surpresa e
as palavras ditas pelo padre meios aos gritos de espanto.
Embora a grande maioria tenha se referido o nome do padre
também sendo Capelão, não foi possível identificar se de fato este era o nome
do Padre, uma vez que Capelão significa sacerdote responsável pelos ofícios religiosos de uma capela ou se os moradores também o
apelidaram como padre Capelão.
Últimas Palavras
Os moradores do Capelão discentes
da Escola Municipal Tenente Gustavo dos Santos têm em suas lembranças os
testemunhos que desvelaram elementos relevantes que compõem a história local
que dão sentidos a este lugar chamado Capelão. Recompor tais narrativas é
refletir sobre as experiências e sensibilidades dos grupos populares.
Este escrito possibilita
emitirmos algumas compreensões sobre como as mulheres e homens afro-brasileiros
criaram suas existências, resistências, lutas e são sujeitos ativos na
elaboração da história e da cultura.
Professora e pesquisadora Ladjane Alves Sousa, texto publicado no livro "DE IPITANGA A LAURO DE FREITAS: NARRATIVAS HISTÓRICAS DO POVO IPITANGUENSE". Obra disponível na plataforma digital Amazon - https://www.amazon.com.br/Ipitanga-Lauro-Freitas-narrativas-ipitanguense-ebook/dp/B08BTX6RC5
REFERÊNCIA
ASSIS, Dayane N. Conceição. Interseccionalidades.
Salvador: UFBA, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências; Superintendência de
Educação a Distância, 2019.
HALBWACHS,
M. A Memória coletiva. Trad. de Laurent Léon Schaffter. São Paulo, Vértice/Revista dos Tribunais,
1990. Tradução de: La mémoire collective.
LE GOFF, Jacques. 1924. História
e Memória. Tradução Bernardo Leitão. et al. São Paulo: Editora UNICAMP,
1990.
A definição para o significado da palavra Capelão foi retirada do dicionário de
Língua Portuguesa Aurélio.
Márcio Wesley | DRT/BA 5469
Jornalista com MBA em Comunicaçãoe Semiótica na linguagem artística

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