O maior escritor de haicai do Brasil morou em Lauro de Freitas
Os versos rimados formados por redondilhas, maior e menor caem como uma luva na nossa tradição, fundindo a cultura japonesa à brasileira..
Esse ano em que os olhos da humanidade estão voltados para o Japão, posto que a nação nipônica abrigará as Olimpíadas que no seu cerne celebra a paz e união entre os países por meio dos valores trazidos pelo esporte. Isso nos faz pensar na relação cultural que há entre Brasil e o Japão. Nesse sentido, há um fato memorável relacionado a história da nossa Lauro de Freitas, antigo território de Ipitanga, que comemora nesse ano o seu 59 aniversário. A cidade acolheu por 8 anos um dos maiores escritores de haicai (gênero literário japonês) do Brasil. O nome desse fenômeno ainda desconhecido pela maior parte dos cidadãos laufreitenses é Oldegar Franco Vieira. Em Lauro de Freitas, ele morou na Quinta da Beneficência Portuguesa (1996-2001) e em Vilas do Atlântico (2003) onde veio falecer em 2006.
O Farol | Anita Malfatti
O notável escritor Oldegar Vieira foi um dos primeiros poetas a publicar haicai no Brasil, tendo ocupado uma cadeira na Academia de Letras da Bahia e várias outras associações literárias. Em 1940, publica o seu primeiro livro, “Folhas de Chá” pelo “Cadernos da Hora” (São Paulo), com ilustrações e capa da criativa e irreverente artista modernista Anita Malfatti. No prefácio desse livro, ele definiu esse gênero literário surgido no século XVI como “a palheta que tange as cordas das almas. Neles se dá a liberdade interior e pessoal de modular a nota inicial segundo as inclinações sentimentais diversas”.
Sobre
a especificidade do haicai, o crítico cultural Seixas afirma que os versos
rimados formados por redondilhas, maior e menor... “caem como uma luva na nossa
tradição, fundindo a cultura japonesa à brasileira”. No livro “Folhas de Chá”
podemos encontrar parte dessa magnitude:
À pista vermelha
de uma flor, vem uma rima
e aflorasse: abelha
Nos cinzeiros jazem
– antecipantes – as cinzas
mortais dos fumantes
Oldegar
concorreu ao lado de Cecília Meireles ao prêmio da Academia Brasileira de
Letras. Sua obra foi considerada “um clássico” pelo crítico literário Octávio
de Faria e Carlos Drummond de Andrade não contou por menos e proclamou: “entre
nós, sabidamente, quem melhor domina o haicai”. Em 1994, o poeta lança
“Gravuras ao vento”, pelas mãos do editor Massao Ohno em co-edição com a
Aliança Cultural Brasil-Japão, instituto no qual foi presidente. Neste livro, encontramos
às seguintes pétalas literárias:
Não mais florescentes,
no lixo largadas, são
flores – defloradas
Oldegar Vieira foi um dos primeiros poetas a publicar haicai no Brasil
Segundo Seixas (1994) estes versos do ponto de vista social suscitam profundas reflexões acerca do destino das meninas prostituídas, que apesar da sua idade primaveril “não mais florescentes”, habitam a boca do lixo da cidade, onde tristes são “flores defloradas”.
Dentro
da vasta produção do poeta-pensador, há também ensaios, a saber: “O haicai –
exclusivamente japonês?” (1975), “Ensaio sobre a aclimatação do haicai no
Brasil”, e “Uma notícia – breve e cautelosa – da poesia japoenesa”. Essas obras foram fundamentais para o autor
receber, no Japão, a insígnia de Comendador da Ordem do Tesouro Sagrado com
Laço, concedida pelo Imperador Akihito. Além disso, teve também poesias
incluídas em coletânea de haicais organizada pela cantora Adriana Calcanhotto
(Haicai do Brasil, Editora Janeiro). Como notório pensador humanista, publicou
também livros sobre Direito, Educação e Geografia. Nos seus derradeiros anos, no apogeu da sua
manifestação intelectual, segundo seu filho Paulo Vieira - “Mesmo percebendo o
fim se aproximar, cego e muito surdo, não deixou de exercer o trabalho que mais
se assemelhava; meditar sobre o presente e o passado, fazendo conexões para
o futuro... Vivia pedindo que anotássemos seus pensamentos, reflexões, planos,
ensaios e poemas”.
Com essa alma criativa e inquieta, o Bashõ brasileiro (ou melhor Ipitanguense) teve uma vida intelectual, profissional e acadêmica rica e movimentada. Formado em Direito e com ampla experiência como professor, foi Diretor de Educação do Estado de Rondônia. Quando retornou para Bahia, atuou como procurador, professor da Universidade Federal da Bahia e da Escola de Estatística. No contexto de criação da UFBA, recebeu a missão do reitor Edgard Rego Santos de coordenar a recém-fundada Escola de Administração. Em 2015, na ocasião do seu centenário, foi homenageado pela Academia Baiana de Letras da Bahia.
A
beleza e sutileza dos seus curtos e profundos versos possibilitam aos leitores
uma experiência viva e fecunda catalisadora de sensibilidades, que ampliam e
renovam os nossos modos de sentir/pensar
a vida, a natureza e as relações sociais.
Miliane Vieira "Tahira" (neta de Oldegar Vieira) |
Esse
talento inestimável de fazer arte com palavras perpetua na tradição familiar, um dos seus
filhos, Fernando Tolentino, se consagrou
como jornalista e ocupou cargos importantes como o de Diretor Geral da Impressa
Nacional. Sua filha, Miliane Vieira, residente em Lauro de Freitas, também tem
vocação para os versos, além de professora com Mestrado em Educação, é poetiza
e membro efetiva da Academia de Letras e Artes de LF. Além de Oldegar Vieira
com seus haikais nos remetendo a milenar tradição literária Japonesa, temos
outras pérolas com notáveis qualidades intelectuais e artísticas que, em
diferentes épocas e contextos, passaram e produziram no sagrado solo
ipitanguense, cito a verve poética de Tude Celestino, os cordéis de
Tranquilino, e os escritos de José Alvares de Amaral. Mas para além de celebrar o legado literário
de grandes escritores que habitaram estas bandas, é importante conhecer e
apreciar as lendas vivas da contemporaneidade, como Adelmo Oliveira, Gildásio
Freitas, Dulce Sampaio e José Nilton Carvalho. Cada nome acima aludido merece
um momento em nossa cidade.
Portanto,
não é de surpreender que em Lauro de Freitas,
a primeira cidade da Costa dos Coqueiro, possui uma histórica
e preciosa vocação literária e
toda vez que pensarmos na relação cultural BRASIL-JAPÂO, o município pode se orgulhar, pois por aqui viveu o maior escritor de Haicai do Brasil.
Pesquisa
Tássio Simões Cardoso - Doutorando em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia ( UNEB); Mestre em Gestão e Tecnologia aplicadas à Educação ( UNEB); Professor da Educação Básica e do Ensino Superior. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0245598433766248
Referências bibliográficas
SEIXAS, Cid. Novas folhas
do Japão (crítica literária). “Livros & Ideias”, seção do jornal A Tarde,
Salvador, 26 set. 94, p. 5.
Jornalista com MBA em Comunicação e
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