Lauro de Freitas cidade das bicicletas

      Meu filho Theo no calçadão de Vilas

 

Vamos falar do meio de transporte mais popular do planeta, carinhosamente apelidada de magrela, bike, bice e camelo. O transporte mais sustentável que existe, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Inventada pelo alemão Karl von Drais, em 1817, portanto, mais de 200 anos de resistência diante do compulsivo avanço do desenvolvimento.

                Há 200 anos foi criada a primeira bicicleta

Apesar do progresso, o caos se encontra na mobilidade urbana e as pessoas já estão trocando seus veículos pela bicicleta devido aos engarrafamentos, preço elevado do combustível, transporte público deficiente, poluição e na busca por uma vida mais saudável. E para falar sobre o assunto convidei o design e jornalista Hendrik Aquino, 47 anos, residente em Lauro de Freitas desde 2010 e um dos grandes militantes da causa que eu conheço.   

 

                            

 

Em 2012 tomei conhecimento do projeto Cidade Bicicleta, que previa a implantação de 217 km de sistema cicloviário em Salvador e Lauro de Freitas  para a Copa de 2014

      

         Hendrik Aquino  

Lauro na sua vida? 

 

Compramos um terreno em Ipitanga por volta do ano 2000, quando construímos uma casa para morar com mais tranquilidade, por ser mais próxima à praia, longe do centro e de aglomerações. Em 1996 eu havia fundado o Jornal Local no Stiep, em Salvador e mesmo mantendo a circulação dele na capital, pretendia ampliá-lo para Lauro de Freitas, como uma opção de veículo de comunicação mais popular, com notícias sobre os bairros. Circulamos com algumas edições em Lauro mas preferimos manter o projeto apenas em Salvador, ampliando para os bairros vizinhos ao Stiep.

 

No entanto, ao buscar fontes de informações em Lauro, e já tendo experiência com assessoria de comunicação na Assembleia Legislativa, recebi um convite para trabalhar na Câmara de Vereadores e, em seguida, na Prefeitura, o que me aproximou ainda mais da realidade da cidade. Passei a ver Lauro de Freitas com outros olhos e ainda hoje me motiva o grande potencial de desenvolvimento.

          Caloi Berlineta (dobrável) anos 80 

Paixão pela magrela...

 

Desde criança gosto muito de pedalar. A minha primeira bicicleta foi uma Caloi dobrável que eu levava para os acampamentos com a família. Segui pedalando na adolescência e até hoje. No entanto, a quantidade de ciclistas pedalando diariamente em Lauro de Freitas, chamou a minha atenção e acredito que tem muita relação com o potencial de desenvolvimento do município.

 

A grande maioria dos ciclistas pedala em bicicletas bem simples, usando-as como meio de locomoção entre a casa e o trabalho. Alguns, até mesmo, como ferramenta de trabalho, como é o caso dos que vendem produtos ou prestam serviços na própria bicicleta.

 

A bicicleta é o transporte de muitos trabalhadores    

As ruas estreitas obrigam o ciclista a disputar espaço com os automóveis, muitos deles de médio e grande porte como ônibus e caminhões. A Estrada do Coco tem um fluxo imenso de veículos e demarca claramente a grande quantidade de trabalhadores ciclistas que moram de um lado da estrada mas que precisam atravessá-la para trabalhar do outro lado.

 

 

Em 2013 participei das 

manifestações de rua, com um cartaz 

que perguntava,  Cadê os 217 km do Cidade Bicicleta?

 

     Hendrik Aquino

Projeto Cidade Bicicleta...

 

Em 2012 tomei conhecimento do projeto Cidade Bicicleta, que previa a implantação de 217 km de sistema cicloviário em Salvador e Lauro de Freitas para a Copa de 2014. Busquei mais informações e descobri que se tratava de uma iniciativa do Governo do Estado da Bahia, através da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder). Fiquei ainda mais animado por saber que era uma equipe técnica da própria Conder que estava à frente do projeto. Participei de audiências públicas, reuniões e até um fórum com diversas entidades da sociedade civil, no qual coordenei um Grupo de Trabalho (GT) voltado para acompanhar o projeto Cidade Bicicleta. Através deste GT, realizamos a primeira Audiência Pública de apresentação do Cidade Bicicleta em Lauro de Freitas, pois, a Copa já havia passado e o projeto ainda não havia saído do papel. 

 

Aqui em Lauro de Freitas...

 

Em 2015, quando fui assessor técnico na Prefeitura de Lauro de Freitas, tive a oportunidade de participar das reuniões realizadas a época pela Secretaria de Planejamento e Gestão Urbana (Seplan), quando o Cidade Bicicleta foi atualizado para a realidade da cidade e devolvido ao Governo do Estado, com a intenção de que fosse executado. Foi muito importante a revisão que a prefeitura de Lauro fez através da equipe técnica, adequando, por exemplo, o sentido de algumas vias como a Luiz Tarquínio, que passou de mão dupla para mão única e, depois, retomando para mão dupla.

 

Enquanto isso, a prefeitura de Salvador resolveu investir, construindo ciclovias e ciclofaixas em diversos pontos da cidade. Instalou paraciclos e, através de uma parceria com o banco Itaú, inauguraram diversas estações de bicicletas compartilhadas, apelidadas de “laranjinhas”.

 

Assistir Salvador avançar tanto enquanto Lauro de Freitas, sequer tinha 1km de ciclovia, me deixava angustiado. Escrevi para jornais e revistas que publicavam minhas cobranças sobre o Cidade Bicicleta para Lauro de Freitas. Recebi convites até para redigir matérias para revistas e, claro, aproveitei a oportunidade.

 

 

Pesquisa...

 

Como eu já tinha interesse por meio ambiente e participado de Conselhos relacionados ao assunto, resolvi aprofundar os meus estudos e fiz uma pós-graduação na Unifacs em Planejamento Urbano e Gestão de Cidades. O meu artigo de conclusão do curso foi uma análise sobre o uso da bicicleta no município de Lauro de Freitas. Para isto, fui a campo fotografar, filmar, entrevistar ciclistas e pesquisar sobre o tema. O artigo foi citado na matéria “Falta estrutura para os ciclistas em Lauro de Freitas”, publicada em 29/12/2019, no jornal A Tarde. Uma matéria com duas páginas sobre o estudo que também foi publicada na revista Vilas Magazine, no ano passado.

 

Em 2020 conseguimos a aprovação pela Câmara de Vereadores, de dois projetos relacionados aos ciclistas, e que viraram Lei Municipal em Lauro de Freitas. Um deles, criando a Semana Municipal do Ciclista no mês de agosto (Lei Municipal 1.886/2020), reforçando o Dia Nacional do Ciclista, comemorado em 19 de agosto (Lei Federal 13.508/2017) e o outro, que, em minha opinião, marca um grande avanço, embora, ainda não tenha saído do papel, que é a Lei Municipal 1.892/2020, destinando 5% das multas de trânsito exclusivamente para a implantação e sinalização de trânsito voltada aos ciclistas.

 

 

A Lei Municipal 1.892/2020, 

destina 5% das multas de trânsito exclusivamente para a implantação e sinalização de trânsito voltada aos ciclistas

Encontramos uma forma de garantir receita exclusivamente para a sinalização das vias, dando mais segurança tanto para os ciclistas como também para os demais usuários, uma vez que a sinalização orienta melhor os espaços e a distâncias entre os veículos.

Uso das bikes aumentaram...

 

Desde que foram criadas, as bicicletas estão presentes nos mais diversos momentos da história da humanidade. Um modelo dobrável, por exemplo, foi utilizado nas guerras, jogadas de aviões, presas as costas dos paraquedistas. São utilizadas por carteiros, policiais, entregadores de encomendas...

              Bicicletas dobráveis usadas por militares durante a guerra  

Conquistam cada vez mais espaço e, agora, na pandemia, não haveria de ser diferente mesmo porque, garantem a mobilidade sem aglomeração e, com o aumento do trabalho em home office e a campanha para que as pessoas fiquem em casa, menos automóveis estão circulando, isto deixa as pessoas mais à vontade para pedalar além, claro, de estarmos mais atentos aos benefícios que a bicicleta proporciona à saúde. No mês passado o jornal Correio publicou um artigo de minha autoria intitulado “A Bicicleta e a pandemia”.

Políticas públicas pedalando lentamente...

 

O avanço tem sido lento. É uma evolução gradual e típica de um movimento mais suave, sutil, que evita confronto com os modelos de veículos mais pesados e poluentes. A bicicleta conquista os corações e mentes, não impõe regras.  Diferente das grandes indústrias automobilísticas que precisam de pesadas estruturas de aço, concreto e asfalto, mobilizando altos recursos financeiros que acabam por entrar em conflito com a natureza e a própria vida. Com o tempo, nós, seres humanos, vamos amadurecendo e reconhecendo que a riqueza está na simplicidade. Menos, em muitos casos, é mais. Isto se vê quando um ciclista passa pedalando calmamente em um engarrafamento, deixando para trás máquinas possantes caríssimas, paradas com os seus motoristas inertes, estressados e sem nenhum poder diante dos terríveis engarrafamentos.

 

      

Um ciclista passa pedalando calmamente em um engarrafamento, deixando para trás máquinas possantes caríssimas

Gestores mais atentos já estão priorizando a qualidade de vida proporcionada pelo uso das bicicletas e como elas podem integrar as mais diversas áreas no planejamento urbano. As cidades estão avançando. É um avanço silencioso e inevitável. Se eu puder dar um conselho aos gestores, peço que considerem a rapidez com que as transformações estão acontecendo no mundo e não percam as oportunidades. Façam logo ou, muito provavelmente, os seus sucessores farão.

 

 

Grupos de pedal...

 

Os grupos estão crescendo e, com certeza, colaborando na ocupação de espaço físico e, também, nas políticas públicas. Pedalar em grupo tem muitas vantagens, dentre elas a segurança para os ciclistas. Nas áreas urbanas chamam mais atenção dos motoristas e a visibilidade destes grupos é muito positivo.

                    Pedalar faz bem para saúde 

 

Benefícios do pedal...

 

Pedalar com frequência proporciona a melhoria na capacidade cardiorrespiratória, na resistência e no equilíbrio, contribuindo para o bem-estar. Os médicos recomendam fazer atividades físicas e pedalar é uma excelente opção. Para mobilidade a bicicleta é um veículo de transporte cinquenta vezes mais leve que um carro de passeio. É possível percorrer de bicicleta uma distância 10 vezes maior do que a pé, gastando aproximadamente a mesma quantidade de calorias. A “magrela”, como é carinhosamente chamada por alguns, tem sido o meio de transporte da maioria dos trabalhadores que ganham até três salários mínimos (pesquisa da CONDER / Governo do Estado da Bahia / 2009). Pessoas que percorrem trajetos curtos, como ir até a padaria, farmácia, praia, trabalho e a escola, preferem fazê-lo de bicicleta.

O ciclismo é o sexto esporte mais praticado no Brasil, atrás do futebol, corrida, musculação, tênis e natação

Pedalar em família, com amigos, colegas e vizinhos é um programa prazeroso, divertido e relaxante. Reservar um tempinho na agenda para pedalar é uma forma de conhecer melhor o bairro, a cidade e descobrir novos lugares. Visitar praias, parques e jardins de bicicleta possibilita um olhar diferenciado e mais humano que influencia positivamente na convivência em sociedade.

         Em alta a fabricação de bicicletas no Brasil 

 

Economia

O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de bicicletas, atrás apenas da China e da Índia. A produção anual nacional gira em torno de 4,5 milhões de unidades. A compra, venda e prestação de serviços relacionados a bicicleta tem gerado emprego e renda para uma quantidade cada vez maior de famílias. É um segmento promissor, principalmente no atual momento de maior credibilidade e investimentos no empreendedorismo.

           Orla de Salvador um cartão postal para os ciclistas 

 

Turismo

Conhecer as cidades pedalando proporciona ao turista um maior contato com as pessoas e lugares. Uma opção é o sistema compartilhado de bicicletas, através de uma pequena taxa. O serviço já está disponível em diversas cidades do Brasil, a exemplo de Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e vem conquistando a rápida aceitação para investimentos, tanto do poder público, como da iniciativa privada.

 

              As bikes é uma realidade no delivery 

Meio ambiente

Diferente da grande maioria dos veículos movidos através da queima de combustíveis fósseis, a bicicleta, movida a propulsão humana, não polui. Hoje existem empresas que já trabalham no sentido de substituir matérias-primas como a borracha e o metal, por produtos recicláveis a exemplo de garrafas pet, na produção de bicicletas, tornando-as ainda mais sustentáveis.  

       Bicicletas com placas uma solução para o trânsito

 

Cadastro dos ciclistas...

 

Ultimamente, além do aumento de sinistros envolvendo ciclistas, os roubos e furtos também aumentaram significativamente o que só reforça a necessidade de adequação da legislação em função do aumento do uso e comercialização de bicicletas. Alguns municípios já adotaram o cadastro de ciclistas e bicicletas de maneira similar aos veículos automotores, inclusive com a utilização de placas de identificação.

 

 

Quantos ciclistas circulam em Lauro?

Infelizmente os dados sobre ciclistas são bem escassos em Lauro de Freitas. Tive muita dificuldade para encontrar fontes locais de pesquisa para o meu trabalho de especialização e, mesmo tendo ido a campo, não foi possível levantar tais informações, ainda que por amostragem, em toda a cidade. Isto só reforça a necessidade de priorizarmos ações neste sentido. A realização de pesquisas é uma atividade muito importante para que se possa desenvolver projetos com dados mais consistentes.

 

E os projetos?

 

Estamos avançando, embora lentamente. Por ser uma cidade litorânea, próxima a capital, a Linha Verde, Lauro de Freitas tem acesso mais rápido as informações e equipamentos importantes a exemplo do metrô e do Aeroporto Internacional. No entanto, também temos uma grande quantidade de trabalhadores que dependem da bicicleta para viver, assim, já deveríamos estar em outro patamar.

 

O diálogo, tanto com o poder público, como com a iniciativa privada tem acontecido porém, o que poderia ser visto como solução para muitas questões, infelizmente, ainda não recebeu a atenção merecida.

 

          

Para termos uma ideia, a execução do projeto Cidade Bicicleta em Lauro de Freitas, estava orçado em R$5 milhões. A Via Metropolitana custou mais de R$220 milhões e sequer possui uma ciclofaixa. 

A construção do edifício que abrigou o Centro Panamericano de Judô, na praia de Ipitanga, custou mais de R$30 milhões fora a manutenção. Sigo acreditando que conquistaremos mais espaço. Estamos reunindo ciclistas e interessados no assunto para fortalecermos o Movimento Cidade Bicicleta, tanto em Lauro como em outros municípios.

 

                       

Pedalo por prazer. Não dependo da bicicleta para trabalhar e isto me deixa livre para escolher onde e quando pedalar.

Você e o camelo?

Penso que pedalar deve ser visto como um direito e, assim, sentir o prazer do vento no rosto e poder perceber detalhes que não são percebidos quando nos deslocamos de maneira apressada, estressada, insegura e, muitas vezes até, obrigatória. Gosto muito de pedalar na ciclovia da Orla de Salvador. Hoje é possível fazer um percurso, sem pressa, admirando o mar, por quase toda a Orla. Em breve o trecho de Ipitanga será incluído e espero poder pedalar, o quanto antes, de maneira segura e prazerosa. 

 

Agradecimentos e considerações...

Agradeço a Deus e aos Espíritos de Luz que nos acompanham sempre. Agradeço a você, Márcio, pela oportunidade de abordarmos este importante tema e, antecipadamente, a cada um dos interessados que entrarem em contato para que, juntos, possamos multiplicar os nossos conhecimentos e experiências e fazer de Lauro de Freitas e demais cidades lugares cicláveis.  Quem sabe a bicicleta transforma as cidades em atrações turísticas. Já pensou Lauro ser chamada de 'A Cidade Bicicleta?'. Seria fantástico!

 

Os interessados podem entrar em contato com Hendrik Aquino.

Vivo | Whatsapp | Telegram: 71 99985-2499
e-mail: hendrikaquino@gmail.com

Márcio Wesley | DRT/BA 5469
Jornalista com MBA em Comunicação 
e Semiótica na linguagem artística