Gildásio Freitas – “cultura não é gasto, é investimento”
A nossa conversa é com um camarada das antigas e de velhas lutas ambientais e culturais em Lauro de Freitas, estou falando do nosso patrimônio histórico, o mestre Gildásio Freitas, que fará no dia 14 de agosto, 73 anos, casado há 43 anos com dona Nelcy Piaggio, duas filhas e duas netinhas. Em 2018 entrevistei o amigo e na ocasião conduzia um programa de entrevistas na emissora LFTV, chamado “Nossa Gente”.
Durante esta semana transcrevi parte do nosso bate-papo e atualizei a nossa pauta. Liguei para o mestre matamos a saudade e colocamos a conversa em dia. O nosso querido historiador, professor, escritor, pesquisador, ator, cordelista, agente cultural e veterano torcedor do Vitória, não para! E neste período pandêmico segue produzindo bastante em home office, “estou trabalhando muito mais em casa, a gente praticamente não sai do trabalho, risos”, ilustra o processo de adaptação, a importância do isolamento e as atividades remotas nos dias atuais. "Estou também colaborando ao lado de Nelci nas atividades domésticas", explica o professor que esta cumprindo o distanciamento social e se cuidando.
Em 2007 Vicente Neto (PCdoB) era o gestor cultural
Em 2007 tive o prazer de fazer parte da equipe do Núcleo do Patrimônio
Cultural (Nupac), da Secretaria de Cultura de Lauro de Freitas, onde o professor
Gildásio era o nosso diretor. Lembro que uma das ações do Núcleo foi a
realização de um Censo Cultural, que serviu de marco inicial com a finalidade
de nortear a gestão em relação ao direcionamento da aplicação de recursos para os
artistas, grupos culturais e, principalmente, na preservação das manifestações populares.
Na ocasião, muitas festas populares importantes já tinham sumido do calendário cultural,
como a Marujada e a festa de Nossa Senhora do Parto, “importante entendermos
que cultura não é gasto, é investimento”, alerta Gildásio.
Pegando a deixa do nosso historiador, vale
destacar que o momento não está favorável para a classe artística. Para
dimensionar a crise provocada pela pandemia nos setores cultural e criativo no
país, foi realizada uma pesquisa no período de julho a setembro de 2020 em todo o
território nacional. O levantamento contou com o apoio da UNESCO no Brasil, do
Serviço Social do Comércio (SESC), da Universidade de São Paulo (USP), do Fórum
Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e de 13 Secretarias
Estaduais de Cultura. O estudo traçou um panorama preciso sobre como os
trabalhadores da cultura que foram afetados pela emergência sanitária que se
estende até os dias atuais. De acordo com o levantamento, as artes cênicas foi a
mais atingida, com a perda total de receita de 63% dos profissionais. Ainda
segundo a pesquisa, nesse setor, a maioria dos artistas que atuam na área
circense (77%), em casas de espetáculo, a exemplo dos profissionais da música
(73%) e no teatro (70%) perderam a totalidade de suas receitas.
E o museu?
O movimento de criação do museu municipal também foi assunto constante do
Nupac (2007), uma luta que permanece após 15 anos, “a esperança continua viva
no peito, precisamos resguardar a nossa memória urgentemente. O museu hoje em
dia é uma pretensão coletiva e um anseio da sociedade laurofreitense”, ilustra
Gildásio Freitas, que não perdeu a fé e o sonho. O museu é um importante instrumento para preservação da memória cultural
de um povo, tendo o papel de informar, educar, pacificar, gerar produções
artísticas, turismo e atividades recreativas. “Enquanto estivermos respirando, estaremos
na luta”, alerta o professor.
Se você leu até aqui, te convido para
navegar um pouco mais sob o comado do nosso mestre. Vamos embarcar nesta nau e conhecer
um pouco da história de Gildásio Freitas. “Quando pensei que eu iria atracar
o barco, içamos as velas e voltamos a navegar neste marzão cultural”, versa o
nosso experiente capitão.
Lauro de Freitas
Cheguei em Lauro há 41 anos, mas tudo começou com a vontade de ampliar os negócios, eu tinha uma papelaria e xerox em Itapuã e decidimos abrir uma nova papelaria do lado de cá. Visitamos São Cristóvão, Arembepe e, finalmente, Lauro de Freitas, que não tinha nada, mas vi uma portinha com um nome, Banco Real, daí eu pensei, se está vindo um banco para cá é porque eles estão pressentindo o desenvolvimento, depois disso, resolvemos instalar a nossa pequena filial.
Lauro de Freitas não tinha máquina de xerox e como nós tínhamos uma parceria com a Xerox do Brasil, conseguimos implantar com sucesso a nossa loja, que foi inaugurada no mesmo dia que inauguraram o complexo da prefeitura e a Câmara de Vereadores na Praça da Matriz, no dia 30 de março de 1981. A nossa pequena loja com passar dos anos se transformou num ponto cultural. Vendíamos revistas, jornais, livros e realizávamos pequenos encontros.
A lojinha me fez conhecer muita gente e a criar laços com a comunidade. Fui participando da rotina da cidade e me entrosando com os moradores, participando de encontros culturais, políticos e na criação de periódicos, onde tive a oportunidade de entrevistar mestres e mestras, lideranças comunitárias, artistas, produtores culturais e poder conhecer de perto as suas relevantes histórias. Não conseguir ir embora, confesso que me apaixonei pelo povo desta cidade hospitaleira. Hoje sou um cidadão laurofreitense, título concedido pela Câmara de Vereadores, oferecido na ocasião pelo ex-vereador Marcelo Santana e aceito por unanimidade pelos demais parlamentares. Só tenho que agradecer o reconhecimento, me sinto lisonjeado por todos os títulos que recebi nesta cidade encantadora, que me acolheu como um filho.
Rio
Vermelho berçário do historiador...
Eu nasci e me criei no Rio Vermelho, um
bairro multicultural, poético e literário. Tive a sorte de conviver neste
ambiente, que foi um verdadeiro alicerce na minha formação. Os filhos de Jorge
Amado e de Mário Cravo, foram meus amigos de escola. A minha geração foi um
celeiro de artistas! Adorava ver o mestre Cacau do pandeiro desfilar com o
bloco Lero-Lero animando as nossas ruas. E quando decidir vir morar em Lauro,
alguns amigos me indagavam, “como você consegue trocar o Rio Vermelho e todo o
universo cultural por um lugar que não tem nada de cultura? ” Eu respondia na época,
que se não tinha nada a gente iria procurar fazer! Lauro de Freitas pulsa cultura nos seus quatro cantos, uma cidade multicultural e rica neste sentido.
Ao mestre com carinho...
Fui me envolvendo com a cidade e convidado
para ensinar no Colégio Ipitanga,
uma instituição de ensino tradicional. Por lá passaram muitos alunos que pude
ensinar e compartilhar experiências. Sempre que vejo meus ex-alunos fico feliz, alguns
entraram para política e são lideranças comunitárias, outros trilharam pela
arte, alguns são professores e professoras, enfim, estão encaminhados! A educação tem um papel importante no
desenvolvimento da sociedade, por meio dela produzimos conhecimento e o
desenvolvimento das faculdades intelectuais, além de garantir a conquista da
liberdade e da igualdade de oportunidades para todos.
Escritor...
O primeiro livro que escrevi foi com o amigo
Emanuel Paranhos, “Livro da história de Lauro de Freitas”. Em seguida continuei
escrevendo e vieram “Um fim de semana em Lauro de Freitas”; “Ipitanga e seus
arredores” e a “Influência e contribuições afro-brasileiras em Lauro de
Freitas. Agora estou empenhado nos cordéis, minha paixão. Sempre gostei de
cordel e quando entrevistei um dos maiores cordelistas de Lauro, morador de
Itinga, Leandro Tranquilino, ficava com vontade de escrever também, mas achava
que não tinha competência para tal. Mas visitando a Flipelô - Festa Literária
do Pelourinho, tomei coragem para começar a pesquisar sobre o assunto e produzir cordéis. Não posso esquecer de falar de um livro que estamos preparando para lançar logo em breve, "Memória da Imprensa Escrita de Lauro de Freitas", que conta com o apoio da Associação Brasileira de Imprensa e da Faculdade Estácio.
Cordéis...
Fiz até um curso com o premiado mestre Osmar
Machado, conhecido por todos como Osmar Tolstói. Poeta, compositor,
arte-educador e pesquisador da literatura popular. Até hoje, antes de publicar
meus cordéis, sempre envio para ele ler e fazer as ponderações necessárias.
Tenho alguns cordéis publicados, como “A grande Lona”; “Quarenta anos de Vilas”
e “Levante do Rio Joanes”. Durante a pandemia estou trabalhando bastante e
escrevendo uma série de cordéis “Festas e Bambas de Santo Amaro de Ipitanga”,
com este projeto estamos homenageando os bairros, os nossos mestres e mestras
de Lauro de Freitas. Em julho pretendo lançar no aniversário de emancipação da
cidade, um cordel falando sobre o assunto e valorizando a prata da casa. Não
podemos esquecer das pessoas que fizeram parte da história do município, sem
passado não podemos pensar em construir o futuro. Os desbravadores precisam ser
lembrados sempre, assim como o seu avô Jaime Nery, (se referindo ao
jornalista), que empossou os primeiros vereadores e dentre outros pioneiros.
Secult de Lauro...
Continuo trabalhado na Secult aqui de Lauro,
como faço parte do grupo de risco estou desempenhando minhas atividades de
forma remota. Tive um encontro produtivo com o novo secretário de cultura, pois,
todas as vezes que muda a gestão cultural, precisamos ouvir as pretensões dos
gestores e o que eles pensam sobre políticas públicas culturais. Confesso que estou
esperançoso com este novo tempo e torcendo para que bons projetos possam chegar
para a nossa gente! Tem boas novidades vindo por aí, mas não estou autorizado
para falar sobre o assunto ainda.
Arca cultural ...
Há mais de três anos eu e o companheiro Tobé
Veloso, do Polo de Atores de Lauro de Freitas, mantemos com recursos próprios
um pequeno espaço cultural no bairro do Caji, que chamamos carinhosamente de Arcas
de Ipitanga, o nosso “Nano Teatro”. Portanto, não é micro é nano, mas muito aconchegante, um espaço coletivo aberto para quem quiser produzir arte em
nossa cidade, sobretudo, neste momento de pandemia onde o audiovisual vem tendo um papel importante na cena cultural. Portanto, um local interessante para
quem quiser gravar pequenos espetáculos e compartilhar nas redes sociais. E a contrapartida pode ser solidária, em serviços e doações. Para quem puder, pode também contribuir financeiramente e desse modo ajudar com as contas de aluguel e energia. Mas quem não puder, está
valendo também! O negócio é produzir arte, expressar sentimentos e tornar os
dias mais leves e criativos. Conscientizar, educar e gerar transformações na
sociedade.
O quarteto Bago de Jazz, grupo instrumental de Lauro de Freitas, se apresentou no aniversário de Dr. Edson Piaggio e na cerimônia de comemoração quando a Câmara de Vereadores de Salvador lhe concedeu a Medalha Thomé de Souza
- Recebi uma homenagem da UNEB (Universidade do Estado da Bahia) e passei a integrar o Grupo de Pesquisas da Educação na Bahia - GPEC, ligado ao projeto Memória da Educação na Bahia ao lado da professora Ladjane Alves Sousa, moradora do bairro do Caji. Ela é graduada em pedagogia, mestra e doutoranda, uma pessoa maravilhosa que vem contribuindo bastante com a nossa cidade.
Considerações...
Márcio Wesley | DRT/BA 5469
Jornalista com MBA em Comunicação
e Semiótica na linguagem artística
Referências
LFTV - Programa Nossa Gente - https://www.youtube.com/watch?v=j15QSTilVWo
Unesco - https://pt.unesco.org/news/unesco-apresenta-pesquisa-impactos-da-pandemia-no-setor-cultural-e-promove-debate-em-evento
A guarda da nossa Santo Amaro de Ipitanga não podia estar em melhores mãos.
ResponderExcluirVida longa a nosso guardião. Reverências a Ipitanga.
Ao @blogdomarciowesley parabéns pela riquíssima matéria!!!
Obrigado....
ResponderExcluirReza o ditado q só conhecemos uma pessoa depois de viajar com ela. Tive a oportunidade de fazer uma viagem com o Mestre Gildásio. Passamos uma semana em Itariri. E o mestre é isso . Uma pessoa humilde, ética, humanista, gosta de uma boa prosa e possui uma grande preocupação com o desenvolvimento cultural da nossa cidade. É um historiador de raiz. Não apenas pesquisa e escreve, mas vive intensamente o cotidiano cultural da cidade. Querido professor, desejo-lhe muitos anos de vida. .uma vida em abundância, com saúde e paz no coração. Tássio.
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