Guerreiras Amazonas defenderam índios dos espanhóis
Tenho um livro da década de 1940, que ganhei de presente há alguns anos, “Antologia do Folclore Brasileiro” de Luiz da Câmara Cascudo. A obra reuni relatos de viajantes, navegantes, pesquisadores e religiosos durante os séculos XVI, XVII e XVIII que passaram pelo Brasil. São recortes interessantes, e este de modo especial, é sobre ‘As guerreiras Amazonas’ que defenderam os índios durante um sangrento combate. Achei a história interessante e resolvi compartilhar com vocês. Uma narrativa carregada de aventura, expondo uma tentativa de invasão de uma armada espanhola, em 1541 no Rio Amazonas.
O depoimento é do Frei Gaspar de Carvajal, frade dominicano, nascido em Trujillo, Estremadura, Espanha, em 1504. Foi Vigário Provincial de Lima no Peru, em 1538 e faleceu em 1584, tendo sido eleito Provincial do Peru. Este é o primeiro depoimento presencial do encontro das Amazonas em terra brasileira. Cristovão Colombo mencionara à existência delas nas Antilhas, Walter Raleigh nas Guianas, Heranado Ribeiro disse tê-las encontrado no Paraguai.
O
frade viu as Amazonas no Brasil
Quinta-feira, 24 de junho
de 1541, passamos por povoados de tamanho médio, mas não paramos por ali. Todos eles eram pequenos arraiais de pescadores do interior. Íamos desta
maneira navegando e procurando um lugar aprazível para celebrar a festa do
bem-aventurado São João Batista, precursor de Cristo. Dobrando uma ponta avistamos
muitas e grandes aldeias ribeirinhas. Estavam estes povos avisados e sabiam da
nossa ida, e por isso nos vieram receber no caminho por água, mas não com boa
intenção. Chegando perto o Capitão Francisco de Orellana, quisesse
trazer à paz, começando a falar-lhes e a chamá-los. Riram-se eles e faziam
burla de nós. Aproximavam-se e diziam que navegássemos pois logo abaixo nos
esperavam para prender-nos e levar-nos às Amazonas.
O livro Antologia do Folclore Brasileiro
O Capitão ofendido com a soberba dos índios, mandou que atirassem neles com as balhestas e arcabuzes (armas), para que soubessem que tínhamos com que nos defender e atacar. Com o dano que lhe causamos, voltaram para a aldeia a dar notícia do que tinham visto. Antes que chegássemos a uma distância de mais de meia légua, havia pela linha d’água, aqui e ali, muitos esquadrões de índios. Eles se juntavam formando uma multidão, fazendo um bom esquadrão de guerreiros. O nosso Capitão deu ordem que os bergantis (barcos) encalhassem onde estavam aquela gente, para buscarmos comida. (Bergantim é uma embarcação que levava trinta remos e era utilizado como elemento de ligação e exploração).
Relato do Frei Gaspar de Carvajal
E assim quando começávamos a chegar à terra, principiaram os índios a defender a sua aldeia e a flechar-nos, e como eram muitos, parecia que choviam flechas. Estivemos por um triz para não perder-nos todos, porque haviam tantas flechas e os nossos companheiros lutavam para se defender delas, sem poder remar. Antes que saltássemos em terra, já tinham ferido cinco dos nossos, dos quais eu fui um deles, levando uma flechada na lateral do corpo, que me chegou ao vazio, se não fossem os hábitos (roupa religiosa), ali teria ficado.
Vendo o perigo em que
estávamos, começou o Capitão a apressar os remadores para que
encalhassem, e os nossos companheiros se lançaram à água que lhes dava pelos
peito. Travou-se então, uma grande e perigosa batalha, porque os índios andavam
misturados com os nossos espanhóis, que se defendiam. Andou-se
neste combate mais de uma hora, pois os índios não perdiam o ânimo, embora vissem
mortos muitos dos seus, mas passavam por cima e tornavam a atacar.
As
Amazonas
Nós a vimos, elas andavam combatendo diante de todos os índios como capitães e lutavam corajosamente. Estas mulheres são alvas e altas, com cabelos compridos, entrançados e enrolados na cabeça. São muito fortes e andam nuas em pelo, tampando as suas vergonhas (parte genital). Com os seus arcos e flechas nas mãos lutavam como dez índios. E em verdade houve uma destas mulheres que meteu um palmo de flecha por um dos bergantis (barco) e as outras um pouco menos, de modo que os barcos pareciam porcos-espinhos com tantas flechadas.
Os nossos companheiros conseguiram matar sete ou oito destas Amazonas, razão pela qual os índios afrouxaram. Então, o nosso Capitão apressadamente deu ordem para que embarcássemos, pois não queria pôr em risco a vida de todos. E desse modo embarcamos, porque os índios retornavam a lutar e vinham por água com uma imensa frota de canoas. Assim, fomos embora.
*Imagens ilustrativas

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