Rio Joanes suplicando pela vida!
E para falar sobre este importante assunto convidei
uma pessoa especial, um cara do bem, um grande amigo da natureza, um dos maiores
defensores do Rio Joanes que eu conheço, que há décadas não mede esforços para alertar
sobre a importância da preservação. Uma luta árdua e penosa, mas ele é forte
como tubarão e não desiste da peleja. O nosso bate-papo é com o ambientalista e diretor da Oscip Rio Limpo, Fernando
Guimarães Borba, 73 anos e mais de 40 morando em Lauro de Freitas, casado,
quatro filhos e dois netos. "Chequei
aqui em 1978, fui trabalhar no Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Bahia,
o CEPED, no Polo Petroquímico, escolhi o local mais próximo do trabalho e por
este motivo optei por Lauro de Freitas, confesso que fui atraído pela qualidade
de vida, lugar bucólico, pessoas hospitaleiras, praias e rios limpos cheios
de cheiros, beleza e vida”, descreve com paixão.
Borba acabou comprando uma casa em Portão, no Condomínio Pedras do Rio, vizinho ao Rio Joanes. “Era um rio cheio de vida com marisqueiras e pescadores vivendo em harmonia com a natureza e sustentando suas famílias com os frutos das águas do Joanes”, rememora de olhos cerrados, numa viagem ao passado.
Sim, o Joanes ainda não estava envenenado pelos excrementos da cidade invadida pelos novos residentes “civilizados” com seus lixos e esgotos descartados sem cerimônia na natureza. Conseguimos conviver no paraíso até 2008, período que Salvador passou a jogar os esgotos dos já populosos bairros de Cajazeiras e São Cristóvão no rio Ipitanga que é afluente do Joanes. Daí para cá, o nosso Joanes começou a morrer por causa dos esgotos da capital somado ao nosso. O Rio Joanes era lindo, pujante, vivo e cintilante com seu manguezal abrigando uma grande biodiversidade, um verdadeiro berçário para várias espécies marinhas que se reproduziam e se alimentavam em grande escala. Em 2008 participamos de uma reunião com pescadores ao lado do nosso querido mestre Touro, que na época era presidente da Colônia de Pesca Z57, Praia de Buraquinho. Neste encontro decidimos que tínhamos que ajudá-los. Seu Dodô, um veterano e respeitado pescador, relatou que seu pai e seus tios foram sustentados com os pescados e mariscos do Rio Joanes e que ele manteve a sua família da mesma maneira. O rio era uma fonte importante de sobrevivência da comunidade de Portão. E o mais triste era constatar que seus filhos e netos não conseguiriam pescar nem mesmo uma piaba, por conta da poluição. Não esqueço o que seu Dodô me falou e me emociono todas as vezes que recordo: “dizem que o progresso chegou em Lauro de Freitas, asfaltaram ruas, construíram prédios e condomínios. E eu te pergunto Dr. Borba, este progresso foi para quem? Se vocês mataram o meu rio?” Seu Dodô está com 95 anos, continua morando em Portão. Ele é pai de Aprígio, Picasso e Cotoco, todos pescadores.
O crescimento desordenado de Lauro de Freitas contribuiu para o caos ambiental?
Claro, com o crescimento desordenado e o advento de inúmeros empreendimentos empresariais e residenciais sem infraestrutura capaz de atender aos milhares de novos residentes, a cidade ruiu. Foram décadas de crescimento sem planejamento. O município entrou em colapso ambiental. A falta de esgotamento sanitário nos dias de hoje é inacreditável! Os córregos, riachos e rios se transformaram em canais de esgoto que correm para o Ipitanga e segue para o rio Joanes, o que o envenena cada vez mais.
E o que as autoridades estão fazendo para mudar está triste realidade?
Estão praticamente de braços cruzados e para agravar ainda mais a situação a Embasa responsável pelo gerenciamento das nossas represas, há muitos anos não libera água das represas Ipitanga l e Joanes l, descumprindo a Lei das Águas que exige das barragens a liberação da chamada vazão ecológica. O que não pode é deixar as calhas destes rios e a jusante das barragens completamente secas. Os rios precisam receber água para manter vivo os ecossistemas e respeitar as suas populações ribeirinhas, isto foi solenemente ignorado pela Embasa e nossas autoridades são cumplices deste crime, pois continuam ignorando o problema tão importante para a qualidade de vida e a saúde pública da nossa população. Infelizmente os nossos rios se transformaram em esgotos a céu aberto, exalando odor fétido. Até a rede de captação das chuvas estão sendo utilizadas por muitos moradores sem distinção como escoamento dos seus esgotos.
O senhor
acredita que a mobilização e a conscientização são as formas mais eficientes de
mudar o rumo desta história?
Sim! Mobilização, informação, união, educação e políticas públicas eficazes são a base de qualquer mudança. Precisamos motivar, sensibilizar e provocar as pessoas para a transformação em defesa da qualidade de vida e a manter a pauta ambiental sempre ativa. Olha, desde a sua fundação que a Rio Limpo tem o objetivo de atender as necessidades de sobrevivência das marsiqueiras e dos pescadores, elegemos também como prioridade a revitalização do Rio Joanes e seus afluentes. Ao longo desses anos realizamos encontros, seminários, reuniões, palestras, mobilizações, protestos, caminhadas e direcionamos esforços cobrando o saneamento de Lauro de Freitas. Para mobilizar as comunidades da região criamos a campanha "Uma Corrente para Salvar o Joanes". Denunciamos na imprensa a lenta e inexorável morte dos nossos rios, fizemos também inúmeras denúncias ao MP Estadual e Federal, em agosto de 2016, entramos com uma representação exigindo que a Embasa liberasse água das represas Ipitanga l e Joanes l, até hoje sem solução conclusiva, embora não precisa ser engenheiro ambiental para que possamos olhar as calhas dos nossos rios para concluirmos que a causa das suas mortes e a falta de água nas calhas porque foram sequestradas pela Embasa para mercantilização, além de faturarem alto com a água que fornecem aos seus consumidores “clientes” de Lauro de Freitas, que por sua vez produzem esgotos que não são tratados.
E o
projeto de saneamento de Lauro de Freitas?
Graças a mobilização e denúncias da Rio Limpo em 2010, foi anunciado pelo Governo do Estado e a Prefeitura o Programa de Saneamento no município, que tinha a previsão de até setembro de 2013 de resolver o saneamento dos estabelecimentos empresariais e residências da cidade, com serviços de esgotamento sanitário total, ou seja, 100% do município teria seus esgotos recolhidos e enviados ao emissário da Boca do Rio. Ledo engano, as obras foram paralisadas em 2012 e só retomadas em dezembro de 2017 com a promessa de conclusão em 2023 e atendendo 80% da previsão inicial. Precisamos seguir o exemplo de metrópoles que recuperaram seus rios urbanos, como Paris, que revitalizou o Sena com 776 km de extensão, Londres, que recuperou o fedorento Rio Tamisa com 346 km e Portugal que ressuscitou o Rio Tejo com 1.007 km. Portanto, se houvessem políticas públicas eficazes, planejamento, seriedade e força de vontade já tínhamos recuperado os nossos curtos e contaminados rios, quase que exclusivamente poluídos por dejetos humanos.
E como
anda o diálogo com a Secretaria municipal do Meio Ambiente?
Este ano sugerimos a nossa Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Semarh, que em parceria com a RIO LIMPO, a formação de grupo interdisciplinar com a UFBA, Uninassau, Conselho Municipal de Educação e a comunidade. A finalidade é proporcionar maior conhecimento da bacia do Ipitanga, nortear planos de revitalização e conservação desses recursos hídricos de inestimável valor essencial para a vida, além da valorização social e econômica.
E as fiscalizações ambientais não diminuem o impacto ambiental?
O que existe é a falta de fiscalização e da aplicação da lei por parte do órgão municipal de meio ambiente e isto estimula e até incentiva o crime ambiental por falta de punição. A opinião geral de biólogos e engenheiros ambientais é de que tecnicamente é possível salvar todos estes rios. Eles reconhecem a importância e a urgência de fiscalizações intensivas e as obras de saneamento básico, mas são unanimes em sugerir a implantação de estações de tratamento descentralizadas em pontos estratégicos do curso destes afluentes com o retorno ao leito dos rios com águas recuperadas, desse modo, todos os afluentes do Ipitanga receberiam águas tratadas das estações descentralizadas o que melhoraria muito a qualidade das suas águas. Sabemos que há anos a paradisíaca praia de Buraquinho está interditada para banhos, veja como tratamos este paraíso que foi cenário do famoso e premiado filme Barra Vento, do cineasta baiano Glauber Rocha. Sonhamos em ver todos estes rios saudáveis, servindo a nossa comunidade com área de lazer, diversão e contemplação. Que o Ipitanga e o Joanes voltem a ter suas águas limpas e que as marisqueiras e pescadores possam retirar com alegria das suas águas o sustento das suas famílias. Isto é possível, basta querer e ter vontade política para que possamos ter nossos rios vivos outra vez. Água é vida!
Márcio Wesley | DRT/BA 5469

Excelente entrevista do Dr. Fernando Borba. Parabéns!
ResponderExcluirSe faz necessário a ação urgente do poder público e da sociedade para revitalizar os rios e o meio ambiente. Isto teria consequente impacto positivo no ambiente social e econômico da região.
Parabéns ao amigo Márcio pela bela retratação de uma feia realidade. Neste caso não é de se questionar as organizações da sociedade constituídas,OAB,CDL,ROTARY, MARÇONARIA enfim todo que possam fazer uma pergunta ao poder executivo municipal,se não tem competência,a secretaria de Meio Ambiente,por quê manter alguém tanto tempo no cargo, não te dar vergonha??
ResponderExcluirPrezado amigo Borba,
ResponderExcluirSua entrevista é de imensa valia para esclarecimento e entendimento da suma importância da conscientização, mobilização, educação e União para preservação dos nossos rios e meio ambiente. Dando ênfase a revitalização e conservação dos recursos Hídricos para uma melhor qualidade de vida dos moradores.
Parabéns pela excelente entrevista amigo Fernando Borba!