SEU DOMINGOS BALAEIRO E SEUS FAMOSOS BALAIOS
Por Márcio Wesley
Domingos Ferreira da Cruz, 70 anos,(na época da entrevista), aposentado
indignado, casado há 48 anos com Antônía da Cruz (estava viva na ocasião), 19 filhos, 27 netos e
seis bisnetos, mas continua ativo e fazendo questão de manter acesa a tradição
centenária de fabricar cestos e balaios, herdada do pai. O artesão revela que a
produção o mantém na ativa, mas é também um importante complemento na renda
familiar, pois saiu "com uma mão na frente e outra atrás" depois de
25 anos de trabalho na prefeitura de Lauro de Freitas.
'Seu balaieiro', como é conhecido carinhosamente por todos, há quase 50 anos confecciona diariamente seu artesanato na porta de sua casa, no centro da cidade. Brincalhão e sorridente, leva a vida com esperança e muito entusiasmo, dividindo a paixão entre o artesanato e a música, especialmente o samba-de-roda e os repentes, que até hoje são tocados e cantados por ele ao som de seu pandeiro. Com uma vitalidade impressionante, ele ainda percorre sozinho pequenas matas da região à procura da cana-brava, matéria prima de seu artesanato. Encontrar o material é motivo de muita alegria, já que a cana-brava está sob ameaça de extinção. Único membro da família que mantém viva a arte de produzir cestos e balaios, ele lamenta que nenhum filho ou neto tenha desenvolvido o gosto ou a aptidão pela profissão de "balaieiro".
Numa ensolarada manhã de fevereiro, enquanto dava
forma, com a costumeira maestria, à sua arte de fazer balaios, parei para um
dedo de 'prosa' com vizinho de casa, seu Domingos,
buscando ouvir um pouco mais dos seus ensinamentos de vida e lições que me
abastecem a mais tenra infância.
Conte um pouco sobre sua vida, onde nasceu e quando chegou em Lauro de Freitas?
Nasci na Ilha de Maré no dia 10 de agosto de 1938. Eu ainda estava muito pequeno quando meus pais resolveram se mudar para Portão, bairro de Lauro de Freitas. Passamos alguns anos morando por aqui, mas minha mãe adoeceu e pediu para que meu pai a levasse de volta para a Ilha de Maré. Meu pai atendeu seu pedido, vendeu tudo e se mudou de volta para lá. Não demorou muito e minha mãe faleceu. Alguns anos se passaram e meu pai se casou de novo. Nesse período eu guardava no meu peito um carinho enorme por Lauro de Freitas. Queria sair de Ilha de Maré para tentar a vida fora de lá. Quando chegou a época do alistamento, resolvi servir ao Exército, onde fiquei de 1957 até 59. Em 1960 me casei com Antônia, que morava aqui no município. Construímos a nossa família, criamos nossos filhos e fizemos muitas amizades nessa cidade que eu amo.
Em 1960 o senhor veio morar definitivamente aqui, na antiga Santo Amaro de Ipitanga. Como era a cidade naquela época?
Lauro de Freitas não tinha nada, não existia
Prefeitura e nem vereadores, as ruas eram todas de terra. Lembro que em 1962 a
cidade foi emancipada. Foi seu avô Jaime Nery (referindo-se ao repórter) que
deu posse aos primeiros vereadores.
Naquele tempo só existiam dois ônibus, que faziam o
itinerário entre Lauro de Freitas e Salvador. Um ônibus pertencia a Maneca de
Portão e o outro era de Macaibá, que morava em frente à Igreja Matriz, aqui no
centro. O terminal ficava na Calçada. Recordo que o comércio era muito forte
lá. Os ônibus saiam todos os dias, mas tínhamos que ter paciência, pois eles atrasavam
demais e quebravam muito. A Estrada Velha do Aeroporto era a única rodagem que
existia entre Lauro de Freitas e Salvador. Nesse tempo a Avenida Paralela nem
sonhava em existir.
Mas antes dos ônibus chegarem por aqui, os
moradores tinham que ir para Salvador nos lombos dos animais, carroças ou a pé.
Hoje as coisas estão mais fáceis, tem ônibus a cada cinco minutos, água
encanada, energia elétrica, bancos, supermercados, farmácias e até faculdades.
A cidade cresceu e os problemas também. O crescimento trouxe coisas boas e
ruins, mas o que me deixa chateado é o aumento da violência, as drogas,
desmatamento e a poluição dos nossos rios. O Rio Ipitanga, por exemplo, já
sustentou muitas famílias que pescavam nele peixes e camarões. Hoje só vemos
esgoto e mau cheiro.
O que o senhor prevê para o futuro da juventude?
Do jeito que as coisas estão caminhando, só vejo a humanidade se apegando às coisas ruins. Os homens e as mulheres direitas estão morrendo, e cada dia vai ficando mais raro encontrar pessoas corretas de boa índole, que ofereçam boas orientações para os jovens de hoje. Infelizmente a maioria das pessoas não está nem aí com seus semelhantes. Peço para que Deus tenha pena e misericórdia com meus netos, bisnetos e toda a juventude. As coisas estão difíceis, não tem emprego suficiente para todos, os empregadores pedem cursos por cima de cursos, e muitas vezes os pais não têm dinheiro para pagar esses cursos para seus filhos, e aí fica difícil. O cidadão que não tem estudo vai ficando sempre para trás. Sinceramente, do jeito que as coisas andam, o futuro não será nada bom, estamos mesmo num mundo cão.
Um outro exemplo de que eu quero falar é a falta de
pulso dos pais com os filhos. Antigamente os pais castigavam os filhos, dando
limites para eles. Hoje um chefe de família não pode mais exemplar um filho com
palmadas, dizem que isso é crime. Quando eu era menino era diferente. Eu
respeitava as pessoas porque tinha medo de desapontar meu pai e quando eu
aprontava ele não perdia tempo e me corrigia com palmadas. Os pais de hoje não
conseguem colocar limites em seus filhos, fazem tudo que eles querem e ainda
por cima não corrigem como deveriam corrigir. Com isso, as crianças e os jovens
crescem sem limites, fazendo da vida o que bem entendem.
O senhor ainda tem sonhos?
Claro que sim, mas não tenho condições de
realizá-los. Gostaria de passar o resto de minha velhice na minha terra natal,
lá na Ilha de Maré. Como não tenho condições de comprar ou alugar uma casa,
fico apenas no sonho. Eu e minha esposa estamos velhos e a Ilha de Maré seria o
lugar ideal para passarmos o resto de nossas vidas. Amo Lauro de Freitas,
construir tudo que tenho aqui, fiz amizades e sou querido por todos, mas
gostaria de passar o resto de minha vida na Ilha de Maré.
O que lhe deixou mais triste na sua vida?
Muitas coisas me deixaram triste, mas o que mais me
marcou foi quando me aposentei, por idade. Não tive direito a nada. Trabalhei
como autónomo e pagava minha aposentadoria. Em 1983 entrei para Prefeitura
Municipal de Lauro de Freitas, onde trabalhei 25 anos com a carteira assinada.
Resolvi me aposentar por idade em 2003, mas acho que não tive meus direitos
trabalhistas respeitados. Saí com uma mão na frente e outra atrás. Gostaria de
saber se realmente tenho ou não direitos trabalhistas. Se não tenho, queria
explicações sobre o assunto. É isso que me deixa triste até hoje.
O que o senhor mais admira num ser humano?
Lealdade, honestidade, força para trabalhar e
retirar de seu suor o pão de cada dia. Respeito ao próximo e aos mais velhos,
honrar sempre os pais e ser caridoso. É isso aí!
Márcio Wesley | DRT/BA 5469
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