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DONA ARCANJA DESBRAVADORA DO ARAQUI

Por Márcio Wesley



Dona Arcanja
        Em 2008 tive o prazer de entrevistar Dona Arcanja  


Liguei marquei a entrevista e no dia e horário combinado fui até a residência de dona Arcanja. A matriarca da família estava me aguardando meio desconfiada e com uma expressão reveladora, "o que esse moço quer falar comigo?". Me apresentei e contei que estava fazendo uma temporada de entrevistas com personalidades de nossa cidade e que gostaria de conhecer um pouco sobre a história da mulher que tem o nome como ponto de referência, o Largo de Arcanja. Ela sorriu largamente e me disse, "quer um cafezinho meu filho?". A entrevista foi em 2008 e em 2014 a nossa matriarca partiu, mas deixou um legado inspirador. 
  
Arcanja Pinto de Oliveira nasceu na Fazenda Repouso, em Camaçari, e há mais de 40 anos mora em Lauro de Freitas, no bairro do Araqui. Teve 11 filhos. Mas ao falar dos netos, ela se depara com uma dúvida: “Val, quantos netos e bisnetos eu tenho?” A filha conta nos dedos e confirma que são 12 netos e 7 bisnetos. Dona Arcanja sorrir e explica que sua idade está um pouco avançada para lembrar de tudo.

Uma queda lesionou seu joelho, mudando completamente sua rotina de vida. A bisavó movimenta-se com auxílio de um andador e lamenta não poder se locomover como antes. Mas o entusiasmo para continuar a jornada natural da vida é perfeitamente notado na expressão contagiante de quem vem cumprindo com dignidade o ciclo de filha, mulher e avó.

Dona Arcanja, merecidamente, ganhou homenagem da sua comunidade, com uma ‘menção honrosa’ de reconhecimento a quem dedicou parte da vida ao desenvolvimento do Araqui. O destino ‘Largo de Arcanja’ é comum nos ônibus que circulam pela cidade. Mas comum ainda é ouvir os cobradores de transporte alternativo gritando: ‘Lauro de Freitas, Bom Preço e Largo de Arcanja’.


A história de uma vencedora


Minha mãe decidiu se separar de meu pai, que era um homem muito mulherengo. Por conta da separação, foi preciso vender a fazenda e repartir os bens. Com sua parte, ela comprou uma casa em Portão, na Rua Queira Deus, onde cheguei a morar com ela, junto com meus filhos, mas depois tive que tocar a minha própria vida, e estou vivendo aqui até então”.

Dona Arcanja confessa que seu marido, já falecido, nunca lhe ajudou muito. “Ele não foi um homem presente, eu fui pai e mãe, criei meus filhos sozinha”. Com a necessidade de um lugar maior para criar os filhos, determinada, encontrou um terreno em meio a um matagal, num lugar de difícil acesso. “Era uma travessia complicada para chegar até aqui. Comprei esse terreno parcelado, na mão de seu Terêncio.

O lugar não dava para morar, era deserto e distante de tudo. Mesmo assim, decidir construir meu barraco. O vizinho mais próximo era Cardoso, no começo da rua principal do Araqui. Sem recursos para construir uma boa casa, fincou sua moradia de forma humilde, com telhado coberto de palhas e paredes de barro. Mesmo assim, tentaram derrubá-la. “Um fiscal da prefeitura apareceu querendo derrubar meu barraco. Na época o prefeito era Celso Alves Pinheiro, primeiro prefeito da cidade, (1963 a 1967). Mostrei para ele os documentos de compra e venda, mas o fiscal não arredou os pés. Não me contive e apontei para meus filhos paralíticos que estavam dentro de casa e perguntei: vocês terão coragem de derrubar meu barraco com meus filhos dentro? Depois desse dia nunca mais voltaram”, recorda.

Sustento da família

Para sustentar os filhos, Arcanja comercializava produtos em feiras de Salvador. Como uma espécie de mascate, ela saía de manhã cedinho com o cesto na cabeça e sacolas dependuradas nos braços andando até o aeroporto para pegar a condução para os bairros de Salvador. “Vendia beiju, banana, manga, pimenta, tomate, cebola, maxixe, coco, feijão-de-corda e folhas de louro. Tudo que dava para vender eu levava comigo”, lembra, enumerando a peregrinação: feiras do Chame-Chame, Itapuã, Pituba, Boa Viagem, Rio Vermelho, Amaralina e São Joaquim. “Minha vida era negociar com o balaio na cabeça, mas quando eu voltava do trabalho trazia o que comer”. Emocionada, diz que suas crianças sofreram muito: “meus filhos andavam descalços e com as roupinhas velhas. O dinheiro que eu ganhava só dava mesmo para sobreviver”.

Água brotava da terra       

Para sorte de Dona Aracanja a água era fácil de encontrar, pelo menos naquela época. “Brotava com facilidade, era apenas cavar um buraco para aparecer. Foi o que eu fiz, no fundo do terreno, de onde tirava água para beber e lavar roupas”. Como não tinha condições de comprar uma bacia alumínio, a feirante improvisava um cesto de palha forrado com plástico por dentro e carregava água no cesto literalmente.  

Não existia violência

A única luz era do velho candeeiro que iluminava as noites do Araqui. “Hoje em dia as coisas estão melhores e as pessoas têm à vontade: telefone, televisão, água encanada, luz elétrica, farmácia, escola, asfalto, supermercados, médicos e ônibus. Ao falar sobre a violência ela sorrir com ironia e balança a cabeça desapontada, e com saudosismo lembra do passado, “antigamente não existiam nada disso, a gente dormia com as portas abertas e podia andar a qualquer hora do dia ou da noite sem preocupação. Não existia a malandragem que existe hoje”, lamenta.    

O comércio         

Alguns anos se passaram e a empreendedora resolveu montar na janela de casa uma pequena quitanda e começou vender produtos a retalho. “Tive a ideia de colocar para vender algumas mercadorias como fumo-de-corda, banana, bolacha de coco, queimados (balas), colherzinhas de café em pó, açúcar, charuto, sal, fósforo e doses de cachaça. Mas como não haviam muitos moradores, as vendas eram pequenas”. O tino para o comércio fez com que a feirante construísse uma vendinha de madeira ao lado de sua casa. “A venda era tão pequena que um dia um cavalo de um cliente quando levantou a cabeça, quebrou algumas telhas”, lembra com uma larga gargalhada.   

A energia foi um sonho     

A chegada da energia foi o marco do desenvolvimento na comunidade. “Uma felicidade danada, quem viveu sem energia elétrica sabe a dificuldade das coisas. Cheguei a fazer abaixo-assinado pedindo a ligação de luz, mas o pedido não tinha muita força. Para nossa sorte, um amigo da família que trabalhava na Coelba foi que trouxe a energia para cá. Os homens puxaram um enorme rolo de fio e fincaram postes de madeira da atual Avenida Luiz Tarquínio até aqui a porta da minha barraquinha, onde colocaram uma lâmpada”.

O cunhado Miguel deu de presente uma geladeira usada, que passou a integrar os primeiro passos de modernidade da vendinha de dona Arcanja. “Com a geladeira passei a vender cerveja e refrigerante gelado e ainda guardava carne, frango e peixe. Com a luz passei a me considerar uma mulher rica”.

Dona Arcanja foi a propulsora do desenvolvimento no Araqui, sua coragem e determinação foi reconhecida pela sua comunidade, tanto que o seu nome batizou o centro comercial do bairro, que é conhecido por todos como o Largo de Arcanja.                         


Entrevista publicada na Revista Vilas Magazine, 2008,
pelo jornalista Márcio Wesley    






 Márcio Wesley | DRT/BA 5469

 Jornalista | MBA em Comunicação 
 e Semiótica na linguagem artística 
 Licenciatura em História 
www.blogdomarciowesley.com.br


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DONA ARCANJA DESBRAVADORA DO ARAQUI Reviewed by Márcio Wesley on fevereiro 19, 2021 Rating: 5

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