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SEU ARLINDO DO AZEITE O ARTESÃO DO DENDÊ

 Por Márcio Wesley 

 

Seu Arlindo do Azeite


Por alguns minutos o local nos leva a pensar que não estamos em terras laurofreitenses. O canto dos pássaros é uma beleza à parte, uma verdadeira sinfonia natural. A mata atlântica se manifesta em todo o trajeto com seus nicuris, ipês, guarirobas, palmitos, imbaúbas, cajueiros, dendezeiros, goiabeiras, jambeiros, palmeiras, orquídeas, cipós, begônias e outras tantas espécies. Mas estamos sim em Lauro de Freitas. Precisamente no bairro do Jambeiro, zona rural do município, uma comunidade tranquila que mantém as características de uma cidadezinha do interior.

Em meio a essa beleza natural, considerada o 'pulmão' da cidade, vive 'seu Arlindo do Azeite', com 86 anos (na época), neto de escravos, aposentado, viúvo do primeiro casamento, 27 filhos, dezenas de netos e bisnetos, não sabe ao certo quantos. Esse sábio senhor, conhecido na comunidade pelo seu ofício de produzir  azeite de dendê, tem uma história de vida fantástica, com episódios dramáticos e sofridos, mas vividos com perseverança.

Mesmo aposentado, seu Arlindo acorda cedinho para labutar com a produção caseira do azeite de dendê, o mais tradicional condimento típico da culinária baiana, utilizado principalmente em moquecas, abarás e na fritura de acarajés. O azeite é uma herança da culinária dos antigos escravos, até hoje vivenciada na cultura gastronómica baiana e brasileira. O mestre aprendeu a profissão quando ainda era criança, na fazenda onde foi criado.

Natural do município baiano de Conceição de Almeida, teve uma infância difícil. Sua escola foi o cabo da enxada, como ele conta, fazendo uma viagem ao passado, relembrando a infância: "eu ainda era muito pequeno quando minha mãe me deixou com meu pai, que me criou até os meus cinco anos. Ele gostava de beber e eu não gostava quando ele chegava bêbado em casa. Muitas vezes cheguei a dormir fora de casa, no chão e sem cobertor. Com seis anos voltei para a casa da minha mãe, mas fiquei lá pouco tempo. Logo apareceu um sapateiro que não tinha filhos e me pegou para criar. Quando cheguei na casa dele encontrei um menino chamado Miguel e, juntos, passamos a fazer todo o trabalho pesado da roça. "O sapateiro nos acordava às três horas da manhã para a gente ir trabalhar. Recordo que de vez em quando uma febre me pegava, parecia que eu estava de 'paludismo' (malária). Miguel era quem me levava para casa, me arrastando. Quando eu melhorava tinha que voltar ao trabalho". Arlindo, com apenas seis anos de idade, passou um ano inteiro nesse sofrimento. Não suportou o trabalho e a saudade da mãe, e com Miguel planejou uma fuga.

Deixando para trás roupas, sapatos e o velho chapéu, Arlindo e Miguel fugiram 'sem lenço e sem documento', andando rápido pelos trilhos do trem. Não sabia onde iam parar. Os trilhos eram o único rumo da fuga. Depois de horas caminhando, o cansaço, a fome e a sede pareciam arrebatar a alma. De repente, avistaram um vilarejo e uma feira e logo o sorriso e a esperança renasceram nos pálidos rostos. "Fomos andando de Nazaré das Farinhas e chegamos a Rio Fundo. Encontramos uma feira farta, com frutas e comidas. Pedimos esmola e nos deram uma cuia com uma boa farinha e um pedaço de carne de sertão, muito saborosa. Sentamos num batente, comemos e enchemos a barriga com água. O cansaço nos dominou e dormimos um pouco". Mas o medo do sapateiro fez com despertassem para seguir viagem rumo ao desconhecido. Os dois 'fujões' seguiram em frente e, ainda na mesma noite, chegaram ao vilarejo de Tatinga. "Avistei uma casa grande e bonita e cochichei com Miquel. Ele ficou com vergonha de ir lá, não queria bater para pedir comida. Como eu era menos acanhado, resolvi chamar: 'ô de casa!', até que apareceu um senhor branco muito alto que perguntou o que queríamos e de onde estávamos vindo. Contamos a nossa história e o homem nos acolheu".    

Para surpresa dos meninos o homem alto era o delegado da região. "Ele nos aceitou e arrumou um canto nos estábulos para a gente passar a noite e nos deu comida. Nossa chegada na Vila foi uma novidade, as pessoas iam nos ver e levavam comida, roupas e cobertores. No final, arrumaram uma casa para dormirmos".

Naquela noite Miguel conheceu a família que o criou por muitos anos. Arlindo foi morar com um senhor que trabalhava numa fazenda conceituada na Vila de Tatínga. "Passei uns dias na casa desse senhor, mas o patrão dele me viu e disse que precisava de um menino como eu na fazenda dele. Não tive muita escolha e fui com o fazendeiro". A vida de Arlindo começou aí, com sete ou oito anos, indo morar definitivamente na Fazenda Candú Velho, no distrito de Jacarandá na cidade de São Filipe, onde foi criado sem discriminação ou exploração. O produtor de azeite não aprendeu a ler ou escrever, mas tirou várias lições da vida. Uma delas é que as dificuldades não tornam o ser humano uma pessoa má. Um homem de bem, mesmo com todos os obstáculos da vida, pode e deve ser um bom homem, pai, marido, filho ou amigo, "o espinho que tem que espinhar de pequeno traz a ponta", conta o aposentado.

Na Fazenda Candu Velho, Arlindo viveu até os 18 anos, e lá aprendeu a produzir o puro azeite de dendê, semelhante ao produzido pelos antigos africanos, que introduziram o produto na cozinha baiana.

Arlindo se orgulha de poder trabalhar e produzir diariamente o seu primoroso azeite, que é vendido por RS 5, o litro. Ele garante que o azeite caseiro feito por ele é recomendado para preparar as melhores receitas da gastronomia baiana. "O azeite que faço é cem por cento natural, deixa as moquecas saborosas, cheirosas e com um gostinho de quero mais", ri Arlindo do Azeite.

                        (Villas Magazine, edição113, 2008)




 Márcio Wesley | DRT/BA 5469

 Jornalista | MBA em Comunicação 
 e Semiótica na linguagem artística 
 Licenciatura em História 
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SEU ARLINDO DO AZEITE O ARTESÃO DO DENDÊ Reviewed by Márcio Wesley on fevereiro 15, 2021 Rating: 5

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