Dona Maria de Marumbá um exemplo de vida
Por Márcio Wesley
Dona Maria das Dores Conceição ganhou "nome de
caboclo" quando era ainda menina. Foi batizada no candomblé como Maria de
Marumbá. Ela nasceu no final do século XIX, em Conceição de Almeida, numa
fazenda localizada no povoado de Longar. Seus pais eram tratados como escravos,
mesmo depois da assinatura da Lei Áurea.
O avô veio da África, num dos últimos navios negreiros. Foi marcado como Tertuliano XIV. O número em algarismo romano facilitava a venda. Dona Maria chegou à velha Santo Amaro de pitanga, hoje Lauro de Freitas, no início dos anos 40, no século passado. Na época, trabalhava duro para ajudar no sustento da família. A jovem Maria de Marumbá viajava em lombo de jegue até Salvador para vender farinha de mandioca e beiju na Feira de São Joaquim. A viagem era longa e cansativa. "Eu também saía com o tabuleiro na cabeça para vender acarajé e bolos aqui em Lauro de Freitas. Eu fazia muitas coisas. Lavava "roupa de ganho" e pescava no Rio Ipitanga", recorda, com a rara lucidez de quem tem 108 anos.
A neta e filha de escravos tem boas histórias para
contar sobre a sua vida. Na época da Segunda Guerra Mundial, viveu grandes
momentos e fez muitas amizades. Nos idos de 1940, dona Maria chegou a trabalhar
com os aliados brasileiros, os americanos que estavam instalados na Base Aérea
de Salvador. A base servia de ponto de apoio para os aviadores dos Estados
Unidos, que guardavam a costa brasileira dos submarinos alemães.
Nessa época, dona Maria lavava as roupas dos
militares no Rio Ipitanga para ganhar dinheiro. Ela era também era uma das
principais curandeiras da cidade. Tratava várias doenças com ervas medicinais,
tradição que aprendeu com seus ancestrais. Dona Marumbá chegou a atender militares
doentes, inclusive com doenças venéreas. "Eu cuidava desse povo todo. Eu
tinha moral, educação e sinceridade, mas quando mexiam comigo sem respeito, ai "caía
no cacete", lembra com o riso solto de quem vê graça no passado distante.
Dona Maria teve 13 filhos. O mais novo tem hoje 57
anos, e o mais velho está com 75. A família dela é uma das maiores do
município, com mais de 180 parentes. Com netos, bisnetos e tataranetos.
Raimunda Bispo Conceição, 66 anos, é uma das filhas. "Eu nunca saí de
perto de minha mãe. Desde pequena sou apegada a ela. Meus irmãos tiveram que
sair para trabalhar e ganhar a vida, mas eu sempre fiquei aqui. Casei,
aposentei, tive meus filhos, já tenho dez netos e logo, logo, terei
bisnetos". Comenta Raimunda, orgulhosa com a mãe.
Joselito Conceição dos Santos, 33 anos, é neto da
mulher mais velha de Lauro de Freitas. "Minha avó está lúcida, temos que
erguer as mãos para o céu e agradecer por tudo que ela fez por nós. Uma pessoa
que viveu tempos duros como ela viveu, gostava de samba de roda e candomblé,
tem que ser lembrada mesmo". (*Dona
Maria faleceu em 2007).
(Jornal Expressão, edição77, 2005).
Márcio Wesley | DRT/BA 5469
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