Valores da Terra: memória viva e inspiração para o presente
Por Márcio Wesley
Em 1998, eu era um jovem de 24 anos, já fascinado pelas histórias e pelos movimentos culturais que sempre pulsaram em Lauro de Freitas. Foi nesse ano que conheci de perto o projeto Valores da Terra, por meio de um concurso de poesia promovido pela Prefeitura, através do Departamento de Cultura, Esporte e Lazer. Na época, quem estava à frente era o inquieto e visionário Carlos Tabajara.
Pela primeira vez, tive uma poesia selecionada para integrar um livro. O projeto, embora institucional, era verdadeiramente democrático: estudantes da rede municipal, escolas particulares (ensino fundamental II), categoria livre para os moradores da cidade e até a turma da melhor idade podiam participar. Era um incentivo real à cultura, abrindo espaço para todos.
Meu saudoso irmão, Duzinho Nery, também teve sua poesia escolhida. Só que, com aquele espírito crítico aguçado que sempre carregou, entretanto, ficou receoso de participar com o próprio nome. Na época, havia feito campanha contra o prefeito Roberto Muniz e achou melhor assinar como "Nivould Brekston", para não ser identificado. Mas o que aconteceu foi o oposto. Roberto era um prefeito diferente. Um homem culto, interessado de verdade pela arte e pelas expressões populares. Duzinho e Roberto se tornaram grandes amigos, uma amizade que nasceu da arte e se firmou.
É preciso reconhecer que Roberto Muniz, teve uma das gestões mais comprometidas com a cultura que já vimos por aqui. Não era apenas discurso. Ele gostava de estar presente: frequentava os espetáculos no teatro, conversava com artistas, ouvia ideias.
Entendemos que o administrador além de ser um construtor de obras materiais, tem o dever de materializar também os sonhos daqueles que através de instrumentos musicais, da escrita, do pincel e do corpo, como expressão cultural, dedicam suas vidas ao exercício da cidadania...
Roberto Muniz - trecho da apresentação do Livro
Valores da Terra Poseias I, pag 3, 1998
Sua gestão fomentou oficinas permanentes de teatro, dança, capoeira, além de projetos musicais, literatura e artes visuais. A cultura deixou de ser plano de governo e passou a fazer parte do cotidiano da cidade.
O Valores da Terra abriu caminhos na música. Foi nesse projeto que artistas locais puderam gravar suas composições em estúdio, com qualidade, em um tempo em que lançar um CD era quase um sonho.
Com a produção afiada do querido Pepe Pipolo, os músicos da cidade passaram a se valorizar ainda mais. O projeto virou a chave na cena musical de Lauro, influenciando inclusive na qualidade dos shows ao vivo, que se multiplicaram com o programa "Essa é a nossa praia", que levava esporte e cultura (música, dança, teatro, capoeira) para o nosso litoral.
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Valores da Terra, Poesias I, 1998 - categoria livre |
Recentemente, em uma conversa com Tabajara, hoje subsecretário de Cultura, Esporte, Lazer e Juventude, ele compartilhou a vontade de retomar o Valores da Terra. Mas é claro que os tempos mudaram. A forma de produzir e consumir cultura hoje é outra. Os CDs deram lugar às plataformas digitais, e os artistas têm mais autonomia para escolher seus processos de produção.
Mesmo assim, acredito que a essência do projeto pode voltar com nova roupagem. Uma boa proposta seria um edital público, financiado com recursos do Fundo Municipal de Cultura, com categorias voltadas para música, teatro e dança. Esse edital poderia culminar em um grande festival multicultural "Valores da Terra", dentro do formato já consagrado do "Essa é a nossa praia", por exemplo. Seria uma grande vitrine para bandas, grupos de teatro, dança e expressões da cultura popular como terno de reis, bumba-meu-boi, arte circense, manifestações afro-ipitanguense, literatura e muito mais.
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Valores da Terra foi um marco na cultura local. Em 2002, recebi com orgulho o troféu pelo trabalho como jornalista cultural e pelas entrevistas com mestres e mestras da cultura ipitanguense
Outro ponto que merece atenção é a expectativa em torno da criação do Núcleo de "Patrimônio Histórico e Cultural de Lauro de Freitas". Ainda não foi implantado, mas acreditamos que a iniciativa poderá trazer grandes avanços na preservação da nossa memória coletiva.
Sabemos que a atual gestão ainda está nos seus primeiros meses, e há muito por fazer. Mas também é verdade que a cultura não pode esperar, ela precisa estar em movimento contínuo, respeitando as tradições e acompanhando as transformações.
O Valores da Terra não é apenas um projeto do passado. É uma referência, uma lembrança de quando a cultura local foi tratada com proatividade. Que essa memória inspire as novas ações e continue a nos lembrar do quanto a arte transforma, educa e constrói identidade.
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Márcio Wesley | DRT/BA 5469
Jornalista | MBA em Comunicação | Licenciado em Artes
Valores da Terra: memória viva e inspiração para o presente
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maio 06, 2025
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