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Teatro do Oprimido - Lauro de Freitas | Armindo Pinto


 



Armindo Pinto - Teatro do Oprimido -

                    
Assim que cheguei a Lauro quase sucumbi quando vi a Biblioteca Municipal parecendo uma casa do terror. Escura, abandonada, suja e em seguida desativada





Armindo Rodrigues Pinto, nasceu em 1949, de parto normal, na cidade de São Paulo no bairro da Bela Vista. Filho de pais portugueses, o menino sempre revelou seu tino pela cultura, mas o teatro arrebatou sua alma! 


O nosso entrevistado é fundador do GTO BAHIA – Grupo de Teatro da/o Oprimida/o da Bahia. Diretor dos coletivos Pé de Poeta e Legião Itinga de Teatro da/o Oprimida/o. Há cinco anos reside em nossa Lauro de Freitas. Sempre ativo e movimentando a cena teatral. Com a pandemia está recluso com a família, aguardando a poeira baixar, mas articulando projetos, direções e encontros por meio digital. 


Começamos a nossa amizade nas redes sociais e estreitamos laços. Depois encontrei com ele numa reunião com artistas e produtores culturais, não me lembro o ano, sei que foi no teatro. Na ocasião o governo municipal, SECULT/LF, estava apresentado alguns projetos. Fiquei surpreendido  com sua determinação ao questionar de forma pertinente sobre descentralização, apoio e fomento de projetos culturais desenvolvidos nas comunidades de Lauro. 


Armindo é sem papas na língua. Doce feito mel e um tamarindo quando necessário. Sua luta é por políticas públicas culturais eficazes. A arte salva vidas, muda realidade, transforma e amplia horizontes. Resistir é o único caminho! Ninguém conseguirá calar a voz da cultura. Ela queima em nossos corações, liberta e consome as nossas almas com ou sem apoio. Senhoras e senhores, com vocês o nosso "Curinga" cultural, Armindo Pinto, diretor do Teatro do Oprimido, Itinga, Lauro de Freitas, Bahia.                        

   

A ideia é que o espectador ensaie a sua própria revolução sem delegar papéis aos personagens. Conscientizando-se da sua autonomia diante dos fatos cotidianos, indo em direção a sua real liberdade de ação, sendo todos “espect-atores

     Augusto Boal 

         







 

 

Infância...

 

Havia uma pequena fábrica de bonecos, só as cabeças feitas de borracha e as defeituosas eram jogadas fora. Pegávamos e improvisávamos o corpo para fazer teatro de bonecos com uma caixa de laranja sem o fundo como palco e lá rolavam os nossos grandes espetáculos (risos). Eleição de Miss Carnaval, com faixa feita de cartolina, rádio ligado em programa de marchinhas, confete e serpentina. Tinha também imitações de luta livre que víamos na TV. Isso tudo fazia parte do nosso repertório infantil.

    


Recordações...

 

Na rua empinávamos pipa, jogávamos bolinha de gude, pião, carrinho de rolimã e corrida de São Silvestre. Eram duas voltas no quarteirão pela calçada com direito a medalha e pódio. Tinha também o futebol, uma paixão! E o cinema era aos domingos pela manhã, logo depois da missa. Era certa a sessão de Tom e Jerry no Cine Marachá. À tarde na casa paroquial da Igreja do Divino Espírito Santo, filmes do Jerry Lewis e Mazzaropi com direito a pipoca e groselha.  Entre as sessões era sagrado ver o Cirquinho do Arrelia na TV, comendo macarronada!

 

A nossa quitanda funcionava até meio dia, a moradia era atrás, conjugada as portas do comércio, acredite se quiser: só encostadas sem trancas... E tinha também as procissões pelas ruas, Missa do Galo e o catecismo. O meu primeiro “cachê” foi atuando como apóstolo na cerimônia do Lava-pés. O altar era o espaço cênico, o cachê uma rosca de pão doce e um envelope com dinheiro. Nem sabia que tinha pagamento, (risos).

 



Armindo Pinto - Augusto Boal - Gianfrancesco Guarnieri




Era de ouro...

 

O auditório da TV Excelsior exibia programas infantis ao vivo. O da Tupi na esquina da Consolação com a Paulista, a gente ia lá participar para ganhar prêmios. Depois veio a TV Record, na Avenida da Consolação. Tudo em volta do nosso bairro! E o lançamento do Pirulito Pelota, lançado em paraquedas de plástico de um teco-teco (avião), imagine a correria da gente.


 

De carro com os vizinhos eu e duas irmãs tínhamos o Parque do Ibirapuera que você não sabe, mas tinha barquinhos e um restaurante flutuante na lagoa principal, em frente ao Deixa-que-Eu-Empurro, monumento dedicado aos Bandeirantes. Na época eu não sabia, achava que eram heróis, hoje eu sei que eram estupradores e assassinos

 

 


 

Shows no cine e futebol...


 

Eram vários cinemas no meu quarteirão, na famosa Rua Augusta. O Marachá, Regência e Majestic. Próximos ao auditório da TV Record, com a Jovem Guarda, Roberto Carlos, os grandes festivais de música, Fino da Bossa, Elis Regina, Gal Costa e dentre outros. Vivíamos num caldeirão cultural!


Podia ir a pé ao Estádio do Pacaembu para assistir a minha Lusa e o Corinthians. Palmeiras e São Paulo. Sou fanático por futebol.  Vi o Bahia encarando o Santos de Pelé, na década de 1960, de igual para igual, inesquecível.

 


Armindo Pinto - Teatro do Oprimido - África em nós




Painho e mainha...

 

Meu pai era um português semianalfabeto, mas por incrível que pareça, tinha a coleção completa das obras de Eça de Queiroz e Camões. Ele comprou uma das primeiras TVs do bairro. Sempre primou por garantir boas escolas aos filhos. Gostava de filosofar. Ateu e comunista com um quadro de Jesus na parede da sala.

 

Em Portugal tentou ser padre para não morrer de fome, mas não aguentou as regras. Foi mineiro, carteiro (de bicicleta) e comeu muito fubá com couve. Com muito trabalho conseguiu juntar dinheiro. Passou 40 dias viajando de navio, desembarcou em Santos e subiu a serra até São Paulo. Começou vendendo verduras numa sacola em cada mão e aos domingos saia do Mercadão Central e caminhava quilômetros com uma caixa de laranjas nas costas para vender na porta do Estádio do Pacaembu. Depois das sacolas e laranjas, comprou um cavalo (seu único verdadeiro amigo, segundo ele) e uma carroça para vender frutas e verduras. Essa parte não vi, ele contava, mas tenho a carta de habilitação dele para dirigir carroças.



Registro de carroças em São Paulo
(imagem da internet)  


Daí para o restaurante de esquina, onde, de vez em quando, eu subia em um caixote de guaraná para alcançar a pia e lavar os copos. E depois para uma quitanda. Mas antes da quitanda e do bar, ele sempre mandava dinheiro para minha mãe, na época, sua namorada que vivia em Portugal, mas logo ela veio para cá para o Brasil. Minha mãe me deu à luz na rua Frei Caneca, em casa, com uma parteira. Hoje me pergunto, o quanto ralaram para manterem três filhos em escolas particulares. Queriam a nossa formação, coisa que eles não puderam ter.

 

 


Adolescência movimentada...

 

Para ir à escola passei a andar de ônibus, cinquenta minutos. Já não fazia tudo a pé. No primário no Colégio dos Padres Carmelitas e no ginásio os protestantes do Mackenzie. Aos sábados enquanto meu pai fazia a sesta (descanso) pós-almoço, eu era convidado para jogar no time de uma pequena metalúrgica vizinha de nossa casa. Eu deixava sair o caminhão com os jogadores, dava um tempinho, corria até a avenida e pegava um táxi até o local da partida. Jogava meio tempo e voltava para o balcão. Sem banho! Minha irmã pegava o posto enquanto eu estava fora. E quando meu pai voltava para a padaria nem percebia a minha saída esportiva. Entretanto, a alegria durou pouco, logo meu pai descobriu, risos.

 

Mas o duro era quando faltava o ajudante e na madrugada meu pai me acordava abruptamente para eu assumir o papel de padeiro. Depois era entregar o pão dirigindo um furgão (parte boa). Em seguida eu corria para a escola.                                                                                                                 

 


São Paulo meados dos anos de 1960



Sair de casa...

 

Briguei com meu pai e fui morar na “Boca do Lixo”, pensão que recebia os cantores sertanejos de Minas, Goiás e interior de São Paulo. O lugar era tranquilo, apesar da região decaída. Hoje apelidada de Cracolândia.

 

Sem grana, descia do buzu pela porta de trás. Comia pão com manteiga em boteco desconhecido e depois saia correndo para não pagar. Aparecia quando dava na casa de algum morador do bairro onde morava na hora do almoço ou do lanche da tarde. Tempos duros, mas não desesperadores. Bela escola para compreendermos o que é necessidade e ver o semelhante com olhar fraterno.






Trampo...

 

Fui trabalhar com pesquisa de mercado, entrevistador e logo supervisor. Graças às boas escolas falava e escrevia bem. Logo comecei a viajar conhecendo o Brasil a trabalho. Pernambuco com o maracatu. Dona Lia de Itamaracá, Antônio Nóbrega, Orquestra Armorial. No Rio de Janeiro a Portela, Mangueira, as rodas de samba com Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho e Valter Alfaiate. Vivi de perto as raízes da cultura brasileira. Eu era um trabalhador de uma empresa grande, Nestlé, andava de gravata e cabelo cortado. Depois Duratex, por cinco anos.




Armindo Pinto - Teatro do Oprimido São Paulo

 

 


Retornei as raízes...

 

Voltei ao meu antigo bairro e já não era o mesmo. Os casarões viraram cortiços, muitos nordestinos em busca de vida melhor substituíam os portugueses, italianos e espanhóis que vieram antes na mesma procura.

Um dia percebi meu afastamento e pensei: esse é o meu pedaço! Virei snobe? Abandonei? Então resolvi retornar para minha comunidade. Agora morando na rua abaixo daquela em que eu tinha nascido. Organizei com os moradores uma festa junina de rua. Banda de Pífanos de Caruaru, bumba-meu-boi, maracatu, dança do ventre, banda de rock, tinha de tudo.

 

E no período dos festejos juninos tínhamos fogueira e quadrilha. Tudo isso há duas quadras da Av. Paulista. Dona Geralda fazia as bandeirinhas e seu marido buscava o eucalipto para o pau-de-sebo. Eu entrava em contato com os artistas, imprensa e conseguia palco e som. A nossa vizinha Sandra fazia o gato de luz e os moradores montavam barraquinhas com comidas e bebidas típicas. Tudo isso durou dez anos! Geralda morreu, eu mudei e tudo simplesmente acabou.

 



Na cidade de Tandil localizada na província de
 Buenos Aires, 
Argentina



Virei produtor...

 

Quando retornei para o meu bairro participei de muitos movimentos culturais a exemplo da criação do Clube do Choro. Produzimos shows que reuniam por exemplo, o afamado pianista clássico Artur Moreira Lima e grupos de choros que tocavam nos quintais, um desses shows foi dirigido pelo mestre Chico de Assis. Tomei gosto pela arte! Mesmo trabalhando em empresa, acabei participando da montagem de “Palomares”, um espetáculo de bonecos premiado e revolucionário.

 

“Estão precisando de um produtor”, me disse uma amiga. Respondi, se eu gostar, produzo! Fui ver a montagem e pirei! Teatro de bonecos com movimentos realistas próximos aos humanos e um parto! Fiquei impactado com a cena do parto e o tema, “Destruição da natureza pelo homem”. Hoje é comum, mas na época era uma novidade. Conheci a Ana Maria Amaral, depois fui saber que ela era a maior representante do Teatro de Bonecos do nosso País. Professora na USP – Universidade de São Paulo. Enfim, ela me convidou não só para produzir, mas, para substituir um dos atores e com este espetáculo fomos parar no festival no México.



A encenação de Palomares (1978) tornou-se um
 marco do 
Teatro de Bonecos no Brasil


 

Primeira turnê...

 

Consegui passagens aéreas com desconto de 30%, dei a ideia de pedirmos obras aos mais renomados artistas para realizarmos um leilão e levantamos dinheiro para viajarmos com o espetáculo. Até o Alfredo Volpi deu um dos seus famosos quadros das bandeirinhas de São João. Fomos para Santos, Rio de Janeiro, MASP e logo voltamos à realidade: o trabalho na Duratex. Meu chefe Silvio Caccia Bava, me liberou por dez dias para irmos ao México. Ô sorte!

 


Alfredo Volpi e Armindo Pinto
Alfredo Foguebecca Volpi ​​​​​​(1896-1988) foi um pintor ítalo-brasileiro considerado
um dos mais destacados pintores da Segunda Geração da Arte Moderna Brasileira.
 Suas pinturas são caracterizadas por casários e bandeirinhas coloridas



O teatro...

 

Na USP – Universidade de São Paulo, vi um cartaz convidando para oficinas formativas (teatro). Beto e Marilda que tinham ido ao México com a peça “Palomares” estavam lá e me convidaram para participar.  Fiz um pouco de tudo: curso de teatro, iluminação, atuação e criação de uma gafieira que virou sucesso em Sampa, com objetivo de arrecadarmos grana para produção de obras teatrais.

 

Antônio Nóbrega foi fazer espetáculos em São Paulo e reuniu uma banda de craques, só feras. Porém, Nóbrega se foi, mas continuamos o projeto com o Tião Carvalho, que fazia parte do conjunto e também era ator. Eu produzia, dançava, curtia e fazia render dinheiro para o grupo fazer teatro. Mas como ator não deu, era um fracasso! Me perdia nas improvisações e perdi a chance de ser protagonista de um texto premiado. Mas tomei gosto pela produção.

 

Produzi e dirigi Alaíde Costa e Jonny Alf, juntos. Ela uma das maiores cantoras que temos, infelizmente ignorada pela mídia. Ele um dos precursores esquecido da Bossa Nova. Depois Paulo Moura e Bendegó da Bahia, no Teatro Municipal de São Paulo. Paulo Moura e Benjamin Bautik, no Vão Livre do MASP, Museu de Arte de São Paulo. Realizei um show com meu ídolo de infância, “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”, o Noite Ilustrada, no mesmo Teatro Municipal.

 



Augusto Boal e Armindo Pinto - Teatro do Oprimido

Augusto Pinto Boal foi diretor de teatro, 
dramaturgo e ensaísta brasileiro, uma das grandes 
figuras do teatro contemporâneo internacional
(faleceu em 2 maio de 2009)  



Teatro é uma arma. Uma arma muito eficiente   

Augusto Boal


Fora da Duratex, fui à Portugal tentar entender meu pai. Chorei bastante. Queria ficar na Europa, tive chance em Paris e em Amsterdã, refuguei e voltei. Desempregado, recebi a proposta para trabalhar na gestão da Luiza Erundina, na Prefeitura de São Paulo, na construção de um caminhão/estúdio da TV do Anhembi, que sairia às ruas, para levar debates públicos entre a população e a gestão municipal.

 

Construído o caminhão, fui convidado para ser animador! Oportunidade de trabalhar com escritores e roteiristas de primeira linha. Eu era um personagem que agia como um cidadão que participava do encontro. Fazia teatro invisível e nem sabia que existia esse recorte, que depois aprendi com Augusto Boal. Fui descobrindo que poderia sim, ser ator. A experiência mais marcante foi entrevistar nada mais, nada menos, que Fidel Castro. Quando por três dias ocupou os espaços do Anhembi para encontros com a sociedade e imprensa. O vídeo produzido termina com a imagem congelada de Fidel segurando minha barba! A TV Anhembi mudou de direção e ouvir - "você não tem perfil para imagem de TV” e de repente estava fora.

 


Armindo Pinto -  Teatro do Oprimido

 



Peregrinação

 

Nesse caminhar cigano, acabei indo trabalhar na campanha de Celso Daniel para prefeito de Santo André. Não sabia quem era Celso, na verdade nunca havia ido à Santo André, município vizinho de São Paulo. Meu papel foi mapear a cidade, organizar panfletagem de casa em casa, bandeiradas e toda infraestrutura dos comícios.  Pagar equipes de trabalho, preparar programas de rádio, receber e distribuir material de propaganda, fazia de tudo!


Quando eleito, o prefeito Celso Daniel me convidou para trabalhar na gestão e fui direto para Secretaria Municipal de Cultura. Dessa vez com verba e a confiança do governo. Propus imediatamente realizamos o Festival de Culturas Populares. A Festa Junina com missa acompanhada por grupo de música regional, cortejo para colocar o pau-de-sebo, quadrilhas nas escolas e shows com artistas consagrados.  


Teatro de Oprimido Lauro de Freitas


Envolvido com moradores e lideranças culturais  periféricas de Lauro de Freitas aprendi a gostar da cidade e perceber o alto nível criativo de sua juventude na resistência a necropolítica, ao racismo e as condições precárias de vida


 

 Arte na rua... 

 

O Festival de Circo ocupando a cidade com um “globo da morte” em uma praça, trapezistas em outra e lona de circo no centro. Até que um dia o Secretário de Cultura, Celso Frateschi, anunciou que Boal daria uma formação para os servidores. Quase pulei em seu pescoço, na época não sabia por que, hoje sei! Mesmo assim, fui o primeiro inscrito.

 

Por dois anos continuei na Cultura e realizarmos encontro de hip-hop, shows, festas populares nos Centros Comunitários e ao mesmo tempo, usando as técnicas do Teatro da/o/Oprimida em muitas ações do poder público. Não me dei por satisfeito e criei dois grupos culturais fora do horário de trabalho: um com idosos e outro com a juventude em um Centro Comunitário. Depois de dois anos o convite para ser o Coordenador do Programa de Teatro da/o Oprimida/ e assim deixei a Secretaria de Cultura para fazer o que mais me encantava, teatro!

 

 

Teatro popular...

 

Todos queriam as técnicas do Boal e em um ano tínhamos 10 grupos populares. Eu tinha uma equipe e juntos organizávamos a curadoria do Encontro de Teatro e Transformação Social. Vieram participantes de vários países e cidades, 640 no total. Teatro nas comunidades, favelas, praças, Teatro Municipal e uma lona de circo.

 

Oficinas e debates com Boal, Zé Celso, Guti Fraga, Sérgio Penna e Kil Abreu. A nata do nosso teatro! Ganhei cargo com registro em carteira assinada e novo salário: Supervisor Técnico de Teatro do Oprimido. Orgulho de poder trabalhar em uma gestão que carimbou na carteira de trabalho “Supervisor Técnico de Teatro do Oprimido”. Infelizmente, e, provavelmente, o único caso que se conhece de Poder Público com teatro como projeto de educação e participação popular.

 

Argentina, Portugal, Senegal, México, Cuba, Itália, Espanha, Nicarágua, muitas histórias e oficinas de formação pelo mundo. As pessoas queriam conhecer a experiência do Poder Público atuando interna e externamente com técnicas de Augusto Boal.

 


Armindo Pinto - Teatro do Oprimido
O diretor Armindo durante uma oficina na 
comunidade de Itinga, Lauro de Freitas, Bahia   

 



Nunca é tarde...

 

Eu precisava conhecer mais sobre teatro que se tornara minha paixão. Entrei aos 58 anos no Instituto de Artes da UNESP - Universidade Estadual Paulista, para cursar teatro. Eram 43 candidatos por vaga.  Fiquei em 28º lugar e com a desistência de oito pessoas, peguei a última vaga. Que sorte!  

 

Não tivemos nada, nada, sobre Augusto Boal, dramaturgo, encenador, diretor reconhecido mundialmente por seu teatro do Oprimido, que revolucionou nosso teatro na década de 1960. Com livros publicados em dezenas de línguas e países, inclusive, indicado ao Prêmio Nobel da Paz na faculdade. Um absurdo!


Então, mãos à obra. Desenvolvi seis turmas de extensão nas técnicas do Teatro da/o Oprimida/o. Formei o grupo teatral com amigos e estudantes. Fomos à Argentina e Guatemala. Criamos o Projeto Derrubando Muros em que grupos das favelas iam até a UNESP e trocavam repertórios e experiências com os estudantes. E assim muita gente se formou nas técnicas desenvolvidas por Boal.

 



Teatro do Oprimido na França - Paris
As irmãs Santos, moradoras da comunidade de
Vila Praiana (Pé do Poeta) em Paris  


 


Lauro de Freitas...

                                                                                                         

Então cheguei nas terras de Ipitanga casado com uma baiana que foi morar em São Paulo. Juntos tivemos um filho. Quando ela entendeu que eu não queria mais ficar em São Paulo, voltou para sua cidade, onde antes era professora, em Itinga. Depois de dois anos vindo regularmente à Bahia eu resolvi ficar de vez.

 

Assim que eu cheguei, pensei: “tenho que me apaixonar por Lauro de Freitas”. Confesso que no início foi difícil, “aqui é outro mundo”. Quase sucumbi quando vi a Biblioteca Municipal parecendo uma casa do terror. Escura, abandonada, suja e em seguida desativada. Ao mesmo tempo a energia e a alegria de começar tudo outra vez já chegando na casa dos setenta anos.     


Mesmo sem conhecer ninguém, mas com a ajuda de Gil Novaes, desenvolvi uma oficina na Casa da Música, em Itapuã e outra no Espaço Verde, num lindo quintal ali próximo.


O destino fez sua parte e iniciamos o Coletivo Pé de Poeta, que passou a ensaiar por falta de apoio, na Praça da Matriz, centro de Lauro de Freitas. Começava aí o meu namoro com a cidade! Com a colaboração desses jovens da periferia, realizamos o IV Encontro Sem Fronteiras de Teatro da/o Oprimida/o.

 


Teatro do Oprimido na Escola Solange Coelho
 Escola Municipal Solange Coelho, Itinga, abriu
as portas para sediar um festival com grupos
 culturais brasileiros e de fora do país
projeto articulado pelo diretor Armindo Pinto 
 



Na resistência...

 

Na ocasião tanto a SECULT (Secretaria Municipal de Cultura), quanto a SEMED (Secretaria Municipal de Educação), não se interessaram pelas 12 oficinas gratuitas oferecidas, nem mesmo com o potencial turístico e cultural ofertado. Mas com o apoio financeiro da Escola de Teatro da UFBA - Universidade Federal da Bahia e com a colaboração dos agentes culturais Rubenval Meneses, Eliete Teles, professor Luciano (diretor da Escola Municipal Solange Coelho - Itinga) e de Mateus Lopes, que me apresentou as comunidades, foi meu guia e produtor, o projeto foi executado.


A Escola Solange Coelho foi aberta para a população que lotou o espaço para assistir  apresentações de São Paulo e Santiago do Chile, foi memorável. Tenho que agradecer à Cléo Dall e Marcos Gricha que me levaram para conhecer o Teatro Eliete Teles (Itinga).  


Usamos a escola como alojamento e suas salas ofertamos oficinas, espaço para convivência e um teatro improvisado, foi perfeito!. Foram 14 pessoas do Chile, 12 da Argentina, duas de Moçambique e um do Uruguai, além de gente da Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e do interior da Bahia. Locais como Quingoma, Cine Teatro Lauro de Freitas, Teatro Eliete Teles e Praça  José Ramos receberam atrações e desse modo movimentamos a cena cultural.


Conhecer e saber da permanência das culturas afro, religião, arte,  hábitos alimentares e o Quilombo do Quingoma. O movimento de Rubenval e Eliete. E as belas praias desta cidade, tudo isso me encantou.  


 

Pé do Poeta - Teatro do Oprimido
Pé de Poeta numa intervenção no Fórum Social
Mundial realizado na Universidade Federal da Bahia   


Sonho...

 

Além de querer um país sem fome, sem tanta desigualdade e violência, racismo, homofobia, machismo e tantas outras formas de opressão. E que no próximo edital de artes a SECULT de Lauro de Freitas use ao menos uma vez, o termo teatro, ou artes cênicas, fato que não aconteceu neste último edital. Sim! As artes cênicas serão contempladas, mas não ter o termo escrito no edital é muito simbólico. Sinto um esforço para mudanças, mas sentir o baque ao não encontrar a área em que atuo e que colabora para o crescimento intelectual, lúdico e cidadão de forma literal.

 


Na SECULT vejo em pessoas como Remerson, uma tentativa de melhora o olhar sobre nossos artistas e democratizar a atenção. Mas mudar paradigmas é algo difícil. Se não houver vontade política da governança nada anda 


É bom inaugurar equipamentos, mas é preciso contratar professores de teatro, música, capoeira, literatura. Não sonho em sermos uma Alemanha ou França, mas é bom pensarmos em cultura! Quero agradecer por podermos usar a PC 3000 (Itinga) e a sala do Teatro, entretanto, queremos mais!



Pé de Poeta - Teatro do Oprimido
A turma do Pé de Poeta se apresentando no
município de Alagoinhas, Bahia  


 Agradecimentos...



Momento novo para mim é ver Márcio Wesley, Rudá, Tássio e tanta gente boa que tenta elevar a cidade com novos projetos culturais e esportivos. E unir artistas da periferia com grupos de Jazz como vem sendo feito, significa lutar contra as diferenças com as armas que temos, que são as artes...


Hoje em dia saber que a Leila Santos, em São Paulo, está ministrando aulas de Teatro do Oprimido no SESI. Romário, Tonny e Eunice multiplicadores que com a Viviane ensaiam e preparam um novo espetáculo, sem a minha presença. Ser convidado como jurado de um Concurso de Poesia promovido pela SEJU – Secretaria da Juventude e poder dar esta entrevista. Isso demonstra que me apaixonar por Lauro de Freitas e que agora essa paixão rende “filhos”.


Que venha o Museu, bibliotecas, passeio ciclístico e o turismo comunitário. E que a periferia seja contemplada e reconhecida em seu poderoso e revolucionário fazer artístico.





Márcio Wesley | DRT/BA 5469
Jornalista com MBA em Comunicação
e Semiótica na linguagem artística


Teatro do Oprimido - Lauro de Freitas | Armindo Pinto Reviewed by Márcio Wesley on outubro 23, 2021 Rating: 5

3 comentários:

  1. Que matéria maravilhosa! Completa. A altura desse grande diretor teatral que bebeu na fonte Augusto Boal. Lauro de Freitas tem talentos que desconhece mas que estão sendo oportunamente apresentados por Márcio Wesley, pela Lauro Criativa.

    Diversas descobertas nasceram do Pé de Poeta... GTO Itinga, GTO Bahia. O interessante é ver o cuidado do Mestre Armindo Pinto.

    Uma Honra ter te conhecido!!!

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  2. Muito bom ,amigo ! Feliz em saber de sua luta e alegrias na área cultural mas realmente não tem a valorização
    que merece. Mesmo que de longe,fico na torcida por seu sucesso e te há sempre em mente a importância de sua convivência com seus amigos do Frei Caneca . Grande abraço. Sucesso














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  3. Faltou falar de muita gente, e em especial de Peri Rudá, grande agitador cultural.

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