MESTRE CAFUNÉ: "a capoeira representa um divisor de águas"
Márcio Wesley
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Sempre que via aquele
senhor de rabo de cavalo nas rodas de capoeira ao lado dos outros mestres e
alunos, em encontros culturais, eu ficava pensando: aquele mestre tem um
estilo rock and roll. O fato é: ele parecia um gringo bem evoluído
na roda de capoeira. Tempos depois, Raul Rodrigues, um amigo querido e
jornalista de mão cheia, me contou que seu pai era o mestre Cafuné e me mostrou
uma foto. Raul é a cara do pai.
A nossa conversa de hoje é
com Sergio Fachinetti Doria, 82 anos, três filhos, três netos, marceneiro e
mestre de capoeira. “Conheci Lauro de Freitas na década de 1980, procurava um
lugar tranquilo, comprei um pequeno sítio às margens do rio Ipitanga, que na
ocasião era limpo e tinha peixes. Esta aquisição foi em sociedade com um amigo
que também tinha o mesmo sonho. A sociedade não teve uma base de ideias muito
firme e logicamente não deu certo. Mas, durante este período, alguns
familiares vinham passar fins de semana comigo e se encantaram ao ponto de um
cunhado adquirir também uma propriedade e, assim, mantive o lado afetivo
pelo lugar. Tempos depois, após ter um casamento desfeito, me mudei e
aluguei uma casa na comunidade do Araqui, onde instalei minha marcenaria e vivo
até hoje”.
Uma entrevista mudou o rumo da vida...
No ano de 1966, lendo o
jornal A TARDE, me deparei com uma entrevista do Mestre Bimba, onde ele
falava de seu trabalho com a capoeira e de seus alunos. Era uma narrativa
encantadora, que me despertou uma imensa vontade de ir conhecer pessoalmente
aquilo. O curioso é que eu nunca havia me interessado por lutas, sendo muito
tímido, pequeno e magro. Jogava futebol pela ponta esquerda para ficar
longe do tumulto.
O lendário Mestre Bimba...
Fiquei tão encantado com
a história do Mestre Bimba que, na segunda-feira seguinte à entrevista, fui lá
conhecer a sua academia. Peguei um ônibus e saltei na Baixa dos Sapateiros,
subi a ladeira do Pelô com um medo danado e as pernas tremendo, encontrei a
academia. Havia uma escadaria para o primeiro andar onde me deparei com
uma porta fechada e bati. Um jovem veio e abriu. Prontamente eu pedi para falar com o mestre
e o aluno me levou à presença dele que estava preparando o início de uma aula e
falei: mestre posso assistir à aula? Ele me olhou sério, chamou o jovem que me
atendera e disse-lhe: “bote ele lá fora e feixe a porta” e continuou seus
afazeres. Fui levado para fora, mas o pouco tempo em que permaneci no interior
da academia deu para perceber o clima de intensa camaradagem e
alegria reinante. Do lado de fora, continuava a escutar e perceber aquela
atmosfera que acontecia no interior. Fiquei parado, meio abobalhado e
foi aí que eu notei uma plaquinha na porta com um aviso escrito: "visitas
20 e mensalidades 20 cruzeiros”, era o dinheiro daquela época. Pensei, se vou
pagar por uma visita o mesmo dinheiro de uma mensalidade, vou me
matricular. E assim conheci a capoeira regional e o meu Mestre.
A paixão pela capoeira...
Foi transformador na
minha vida e personalidade. Eu era tímido e medroso, sempre olhava para
meus pés, não tinha coragem para me colocar na vida e me tornei um
capoeira. Hoje participo de oficinas e palestras, algumas para mais de duzentos
jovens. Viajei para mais de 18 estados e
dezenas de cidades, até à Suíça a capoeira me levou.
A Fundação Mestre Bimba...
Formado na capoeira em
1967, hoje faço parte da Fundação Mestre Bimba e Filhos de Bimba
Escola de Capoeira. A capoeira representa, para qualquer lugar onde chega, um
divisor de águas, agregando centenas de jovens, muitos sem perspectiva
de vida e alguns em situação de risco social. A capoeira compartilha
sociabilidade, possibilidades de futuro e multiplicadores destas
transformações.
As políticas públicas...
Pena que os governantes
quase não percebem esta grandeza que é a capoeira e não dão o devido apoio.
Muitos, quando se aproximam da capoeira, é com intenções de aproveitamento
político.
O candomblé...
Hoje pertenço à religião
das folhas, o candomblé. Nasci e fui criado na religião católica, mas
li algumas filosofias como Taoismo, Budismo, Confucionismo, etc. Estou
perfeitamente bem nesta religião que está me proporcionando educação,
disciplina, companheirismo e muito amor.
E o nome Cafuné?
O mestre marcava a
festa do batismo que acontecia num domingo na academia do Nordeste de
Amaralina, para os alunos que já haviam sido batizados, Íamos participar da
primeira rodada de capoeira completa, com o berimbau, dois pandeiros, cânticos,
palmas e plateia. Era neste dia que recebíamos nossos apelidos, que
geralmente eram dados pelos colegas que já nos conheciam. Na minha vez o
mestre falou: este já tem apelido, sou eu quem vai dar, e fiz meu primeiro jogo
numa roda completa. Ao terminar, ele falou: o nome dele é Cafuné, ele
não joga capoeira, ele faz Cafuné. E assim nasceu minha identidade na capoeira
que me acompanha até hoje.
*Fotos dos arquivos do Mestre Cafuné, Carol Garcia e de Mila Souza | Fundação Mestre Bimba.
Márcio Wesley | DRT/BA 5469
Excelente... Satisfação em conhecer um pouco mais desse homem, mestre cafuné, sr Sérgio tem algo especial, vi isso no primeiro dia que o conheci, transmite paz em seus gestos e palavras!
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