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SEU CANDINHO CONTANDO NOSSA HISTÓRIA

  

Por Márcio Wesley

Seu Candinho


 O movimento de entra e sai de pessoas na casa do seu Candinho foi intenso durante todo o dia 4 de setembro. Afinai, a data era muito especial e com um motivo muito especial para se comemorar: os 95 anos de Cândido Viterbo de Santa Rosa. Amigos, parentes, aderentes, até candidato a cargo político apareceu na residência do ilustre personagem, no Centro de Lauro de Freitas. A lucidez do aniversariante é de deixar qualquer um impressionado. Ele não esquece nada. Os mínimos detalhes da sua vida são sempre recordados. O amor pela terra natal, Lauro de Freitas, indescritível, é típico dos nativos desta cidade acolhedora. Um dos seus sonhos é que seu nome seja eternizado, e até sugere que quando for chamado por Deus, o nome da rua que ele reside, a Travessa Abelardo Andreia, mude para Travessa Cândido Viterbo de Santa Rosa. Uma justa homenagem para um dos mais emblemáticos moradores de Santo Amaro de Ipitanga. O pedido, vindo de uma pessoa da grandeza do seu Candinho, é para ser respeitado e cumprido, homenageando quem sempre zelou por viver no caminho da verdade, trabalho e o amor pelo próximo.

Todos os dias pela manhã o aposentado senta-se no sofá da antiga casa e, pela janela, observa atentamente a movimentação, que já não é a mesma de há trinta anos. A agitação e o corre-corre tomaram conta de tudo. Ainda na confortável poltrona, o veterano morador se delicia conversando com amigos, comentando sobre assuntos os mais diversos, incluindo política, cultura, histórias e estórias da localidade. Esse é o assunto que ele mais gosta: relembrar fatos do passado. Seu Candinho sabe como ninguém contar boas histórias.


Nosso personagem nasceu em 1913, na antiga Santo Amaro de Ipitanga e viu de perto todo o progresso chegar. O simpático e sorridente senhor, que tem nove filhos e mais de 40 netos e bisnetos, não teve vida fácil. Ganhar o 'pão de cada dia' sempre foi uma tarefa árdua. "Comecei a trabalhar com 13 anos. Tinha pouca idade, mas muito juízo. Foi uma pena meu pai ter me tirado da escola tão cedo para eu trabalhar, mas hoje compreendo tudo. Meu pai sozinho para sustentar uma família, não era tão simples assim". Seu Candinho trabalhou na roça e em três pedreiras. Aos 37 anos conseguiu um emprego de carregador de malas no aeroporto, onde ficou até se aposentar.


É verdade que seu nome foi escolhido num almanaque?



Pois é, meus pais queriam um nome chique para mim. Então resolveram escolher num almanaque de nomes e me balizaram de Cândido Viterbo de Santa Rosa. Esse nome não tem nada haver com a árvore genealógica da família, pois o sobre nome de meu pai era Batista dos Santos e de minha mãe, Conceição. Isso criou uma confusão danada, tanto que nenhum dos meus filhos levou o sobrenome Santa Rosa. Mas confesso que estou arrependido de não ter dado esse sobrenome para eles.


Fale um pouco sobre seus pais e sua infância?



O nome de meu pai era Inocêncio Batista dos Santos e minha mãe Sátyira Maria da Conceição. Eles eram trabalhadores rurais e davam um duro danado para sustentar a família. Meu pai, além de trabalhar na roca, era carpinteiro de profissão. Foi ele quem construiu o primeiro chalé do Campo de Aviação, nos anos 20, onde é hoje a Base Aérea, na antiga Fazenda Portela, que pertencia a Miguel Pinto.

Miguel vendeu uma parte da fazenda para os franceses, que construíram um campo de aviação e alguns chalés e hangares para guardar as correspondências e os aviões. Os franceses faziam o trabalho de correios com pequenos aviões, entre uma cidade e outra, e até para fora do Brasil, transportando cartas, malotes e encomendas. O campo de aviação da Latécoère Aeropostale e Air France em Santo Amaro de Ipitanga, depois Campo de Aviação Santo Amaro de Ipitanga, foi iniciativa do francês Pierre Geoges Latécoère, após a primeira Guerra Mundial. Em 1955 o aeroporto ganhou o nome de Dois de Julho.

Meu pai faleceu no dia 14 de novembro de 1928. Com 15 anos de idade eu era o homem da família. Tive que trabalhar com minha mãe para ajudar no sustento de meus irmãos. Antes de meu pai falecer ele tinha uma roça de quiabo arrendada. Ele utilizava a terra e pagava uma espécie de aluguel. Foi essa roça, lá no Caji, que nos salvou da fome quando meu pai morreu. Com as vendas dos quiabos compramos um burrinho e mantivemos a nossa família.

Quando era criança eu não brincava e nem jogava pedras em passarinhos. Era acordar cedinho para trabalhar. Eu saía com o burrinho carregado de quiabos até a Sete Portas [em Salvador]. Fornecíamos quiabos para os feirantes, que por sua vez comercializavam em suas barracas. Era uma jornada longa. Quando o burrinho estava cheio, eu ia andando daqui até lá cortando a areia da praia, matos e trilhas. Era uma viagem boa, mas cansativa.


Como era a cidade no passado?


Havia poucas casas e muito mato. O transporte eram os pés ou o lombo dos animais. Para chegarmos ao Centro de Salvador era um Deus nos acuda. Saíamos daqui, passávamos por Itapoan, Boca do Rio, Cabula e Baixa de Quintas até São Joaquim, quase sempre andando. Quando alguém morria, reuníamos os homens e saíamos a pé até o Taboão, em Salvador, para comprar o caixão. Trazíamos correndo na cabeça, era uma coisa de doido. [Seu Manuelzinho foi quem comercializou os primeiros caixões na cidade no final dos anos 40]. Quando alguém ficava doente nós levávamos de rede amarrada num pedaço de pau e dois homens carregavam até Salvador. As coisas não eram fáceis. Os jovens de hoje reclamam de tudo. O progresso chegou aqui junto com a Segunda Guerra Mundial [1939 a 1945]. Nesse período os militares apareceram e construíram a Base Aérea de Salvador, na área do antigo campo de aviação dos franceses. Nesse período muita gente da cidade trabalhou na construção da base e ganhou dinheiro. Foi também nesse período que passamos a viver sob as ordens dos militares. Eles mandavam por aqui. O pessoal da cidade era acanhado e permitia tudo. A rua da Cesta do Povo, no Centro, foi apelidada pelos militares de  'Guaximba’ Lá vivam as mulheres de fora, muitas faziam vida.



Os antigos dizem que o município passou por muitas tragédias. O senhor presenciou algumas delas?


Foi entre os anos de 1933 e 1943. Vi muita gente morrer de paludismo [malária]. Outra tragédia foi a enchente que ocorreu em maio de 1935: a barragem do Ipitanga soltou muita água e inundou parte da cidade e destruiu quase todos os acessos. Ficamos ilhados e sem mantimentos.


 Como era o Rio Ipitanga?


Era uma maravilha. Bebíamos água, tomávamos banho e pescávamos robalo, camarão, pitu, trairá, acará e piabas. Esse rio era limpo e dava de comer para muita gente. Hoje em dia não passa de um riachinho poluído e fedorento.


Como era Santo Amaro de Ipitanga?


Aqui no Centro não havia nada. Somente dois armazéns, o cartório, a igreja e o cemitério. Quase todo mundo era roceiro. Posto médico e luz só depois da emancipação, nos anos 60. Tenho saudade das festas arrojadas de São Miguel, no dia 29 de setembro, que comemorávamos com missa, muita música, comida e dança. Aqui havia festa quase todo final de semana. O povo adorava um samba-de-roda, bebidínhas e muita comida. Era bom demais!

Mas o passado é o passado, temos que viver o presente. Hoje em dia a molecada está muito avançada. A gente não pode mais sair de casa com medo de ser assaltado. No meu tempo não havia isso, íamos para a cidade com dinheiro na mão e não havia perigo. Há anos não vou ao banco receber minha aposentadoria, fiquei com medo. (*Seu Candinho faleceu em 2011).                

 


Seu Candinho deixou saudade, adorava falar sobre a sua terra natal    

 

 

                                                                                            (V. Magazine, edição117, 2008).

 Márcio Wesley | DRT/BA 5469

 Jornalista | MBA em Comunicação 
 e Semiótica na linguagem artística 
 Licenciatura em História (em curso) 
SEU CANDINHO CONTANDO NOSSA HISTÓRIA Reviewed by Márcio Wesley on fevereiro 14, 2021 Rating: 5

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