Preservar nossas raízes: do bumba-meu-boi ao samba de roda
Por Márcio Wesley
A primeira vez em que vi o Terno de Reis e o Bumba-meu-boi eu tinha uns oito anos de idade, lá no comecinho da década de 1980. As cantigas ao som dos instrumentos percussivos tomavam as ruas de paralelepípedos do centro de Lauro de Freitas. As senhoras com saias coloridas e chapéus de palha cantando alegremente, sambando com admiração e marcando o ritmo com pequenas tábuas nas mãos, batendo forte uma contra a outra, ampliando as palmas com a clave do samba de roda. A dança e os pulos indomáveis do Bumba-meu-boi eram uma coisa linda de se ver. O jubiloso cortejo cortava as ruas com sua poderosa arte e de vez em quando pausava em algumas casas para reabastecer a iluminada procissão com bebidas e comidas, tudo muito simples e belo. Mas quem vai falar um pouco sobre isto é o amigo e historiador Emanuel Paranhos, 70 anos, filho querido de nossa terra, um apaixonado pelo nosso município, nossa história, cultura e nossa gente.
MW – Professor o que significa a Festa dos Reis e quando a manifestação chegou em Lauro de Freitas?
Emanuel Paranhos - A raiz do Terno de Reis aqui em Lauro de Freitas e de todo Litoral Norte vem do Recôncavo. Eu tive a sorte de conviver em uma família que apreciava esta importante manifestação cultural, tanto meus avós como os meus pais. Minha mãe (dona Elza Paranhos) chegou a ser uma das dançarinas do Terno de Itapoan, ela era a ‘Bobina’, uma espécie de flor silvestre. Portanto, a Folia dos Reis tem um significado importante para mim, eu adoro. Há 30 anos tive a sorte de entrevistar Dona Venú, na época ela já era uma senhora octogenária e foi está importante mestra que trouxe a tradição do Terno de Reis da Praia do Forte para Portão, ou seja, introduziu a manifestação cultural na comunidade de Portão, que ao longo dos anos passou por vários outros mestres e mestras, a exemplo da nossa saudosa Dona Nicota. Atualmente a tradição mantém-se viva em Portão com a nossa querida mestra Aidê dos Anjos e seu Terno Estrela D’valva. O Terno de Reis é também uma antiga tradição da Vila de Ipitanga (centro). Me recordo de um grande animador da ‘Festa das Burrinhas’, uma folia ligada aos festejos natalino, Seu Joaquim do Espírito Santo. Temos ainda a nossa mestra Badinha, Seu Balaeiro e Careca com “As matriarcas”, além de Artêmio da Luz, que através do Grupo Bambolé vem resgatando e mantendo a nossa memória cultural viva entre os mais jovens.
MW – Porque o Terno de Reis vive esquecido?
Paranhos - O Terno Reis não dá repercussão política, talvez por ser uma manifestação pontual e por isto padece com muitas dificuldades para se manter. Se o poder público não faz sua parte como deveria, nós temos que fazer acontecer, reinventar e procurar meios para conservar a nossa cultura. Temos aí professor Gildásio Freitas, Coriolano, você que é nativo Márcio Wesley, sua família e tantas outras pessoas da nossa cidade. Temos a responsabilidade de preservar a nossa cultura. A importância do Terno de Reis é enorme, representa a alma do nosso povo, uma tradição ibérica portuguesa com costumes cristãos, que ao longo dos anos incorporou a cultura indígena e africana. O Terno é uma manifestação coreograficamente linda, com suas canções tradicionais que são passadas de geração em geração. Por este motivo é importante que as autoridades políticas, gestores da área cultural e da iniciativa privada incentivem e não deixem morrer as nossas tradições. Preservar esta e outras manifestações culturais é necessário para a nossa cidade. Nós filhos da terra, precisamos estar atentos a isto.
MW – A Festa de Reis tem características culturais distintas?
MW – Obrigado professor pelo carinho de sempre, o senhor é uma referência para nossa gente, quais são suas considerações finais?
Paranhos – Obrigado a você Márcio, um filho da terra e um jornalista apaixonado pela nossa cultura. Enquanto houver fôlego e a gente estiver respirando, a luta continuará. Eu e o professor Gildásio estamos na fase dos 70 anos, portanto é preciso fortalecer o que existe e despertarmos o interesse das novas gerações neste sentido. É extremamente necessário que o poder público alinhe um amparo social e dê meios para que os nossos mestres e mestras da cultura popular possam manter viva a nossa cultura, a exemplo de Dona Badinha, Aidê, Artêmio da Luz, Careca e dentre outros. Infelizmente estamos em um ano atípico por conta da pandemia e entendemos a importância de não aglomerarmos. Mas é importante registrar, resgatar, financiar e apoiar o nosso Terno de Reis para que as novas gerações preservem e mantenham viva a nossa cultura popular.
Márcio Wesley | DRT/BA 5469
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